“Tu tens lado nessa discussão. Tu não és neutro! Tens que ser neutro para analisar com seriedade. A ciência não pode ter lado.” Essa foi a máxima que um colega, economista, da extinta Fundação de Economia e Estatística usou para rebater minhas argumentações contra o projeto econômico endeusado por adoradores do modelo de desenvolvimento preconizado pelos “Chicago Boys”, onde destaco o atual ministro da economia, Paulo Guedes.
Foi mais um dos tantos bate-papos de balcão de cafeteria, no mercado Público de Porto Alegre, com esse interlocutor. O meu oponente é uma pessoa culta e respeita opiniões adversas. Num quesito confluímos para o mesmo ponto de vista: Temos a mesma indignação e repulsa pelos pseudocristãos que cultuam a violência e o ódio.
O ponto crítico nas nossas divergências, estopim de discórdia e embates, é o modelo de crescimento socioeconômico. Ele é adepto da tese que primeiro tem que equilibrar a economia e depois vem o “resto”. Eu defendo um sistema sustentável, que seja estruturado no tripé meio ambiente, sociedade e economia. Um projeto que promova justiça social, respeito à capacidade suporte dos recursos naturais e, óbvio, com viabilidade econômica.
Voltando para a narrativa do debate, contra-ataquei dizendo: Neutralidade?!… Pode parar!… Não existe neutralidade. É balela! É artimanha de quem quer confundir! Tua opinião contra ideologias é carregada de ideologia. Vê bem!… Tu tens lado, também! Ora!… Essa estratégia de desqualificar opiniões contrárias ao modelo dominante, acusando-as de contaminadas por ideologias, um clássico dos desenvolvimentistas, já foi desmascarada. Ela se perpetua na nova espécie que surgiu, o “Homo capitalistens sapiens”. Tá!… Confesso! Inventei isso. Mas, o resultado foi incrível. Ele quase surtou! Morri de rir!
Aqui cabe um parêntese: Entendo ideologia como a ciência proposta pelo filósofo francês Destutt de Tracy que atribui à origem das ideias humanas às percepções sensoriais do mundo externo, no sentido mais amplo de estado de consciência do homem no seu meio ambiente.
É impressionante verificar a capacidade de sobrevivência dessa falácia sobre “neutralidade”. É um clássico raciocínio falso, mas com aparência de verdadeiro. É uma argumentação inconsistente do ponto de vista lógico, desprovida de fundamento, inválida, com vícios de origem, que é usada na tentativa de desmantelar uma ideia apresentada, sem fazê-lo. Esta é uma das razões para que esse engodo da neutralidade se apresente nas falas e discursos de persuasão e aliciamento. Tática muito comum nas pregações religiosas e discursos populistas.
Em pé, saindo da cafeteria, fiz a última provocação. Tu viste o que disse o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, sobre neutralidade? Falou: “Eu não acredito que alguém possa se manter neutro com uma guerra no mundo. Vamos pensar na Segunda Guerra Mundial. Muitos líderes ficaram neutros no primeiro momento. Isso permitiu que os fascistas engolissem metade da Europa e se expandissem mais e mais.” Ninguém é neutro. Acredite!
“A neutralidade é um desperdício de vida, uma sonolência contínua.” (Martha Medeiros)
Túlio Carvalho
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Publicado em 05/8/22