O excesso de chuvas tem sido cruel com o povo gaúcho. Até o momento em que escrevo essas mal traçadas linhas falava-se em dezenas de mortos e outras dezenas de desaparecidos. São Pedro, alicerce da igreja católica e o primeiro dos Papas deve estar querendo nos dizer alguma coisa com essa quantidade de lágrimas…
Quando o Titanic afundou, ele levava o milionário John Jacob Astor IV. O dinheiro da sua conta bancária poderia construir uns 30 Titanic’s, se quisesse. No entanto, diante de um perigo mortal, ele escolheu o que considerava moralmente correto e renunciou ao seu lugar num bote salva-vidas para salvar duas crianças.
O milionário Isidor Straus, co-proprietário da maior cadeia americana de grandes armazéns, a “Macy’s”, que também estava no Titanic, disse: “Nunca vou entrar em um salva-vidas antes dos outros homens”. Sua esposa, Ida Straus, também se recusou a embarcar no bote, cedendo seu lugar à sua recém-nomeada criada, Ellen Bird. Decidiu passar seus últimos momentos de vida com seu marido.
Estes indivíduos milionários preferiram se livrar do dinheiro e do poder e, principalmente, das suas vidas, do que comprometer seus princípios morais. Suas escolhas em favor dos valores destacaram, naquela época, o brilho da civilização e da natureza humana. Raro nos dias em que vivemos.
Pensemos nisso neste momento de intensa provação.
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A última quarta-feira foi dia de lembrar que já faz 30 anos que nossas manhãs de domingo nunca mais foram as mesmas. Naquele 1º de maio de 94, na oitava volta do GP de San Marino, na Itália, Ayrton Senna – um dos pilotos mais preocupados com a segurança na Fórmula-1 – bateu a Willians que pilotava a quase 300 km/hora contra o muro de concreto da curva Tamburello. A imagem é inesquecível: Senna imóvel dentro do carro semidestruído, com o icônico capacete verde e amarelo pendendo para o lado esquerdo.
Ímola carrega um histórico trágico: cinco anos antes, Senna já havia se acidentado naquele mesmo autódromo quando seu carro – um McLaren, na época – se incendiou. No mesmo ano, na mesma Curva Tamburello, o austríaco Gerhard Berger escapou por pouco após bater sua Ferrari contra o muro de proteção e ter o carro completamente destruído pelas chamas. Em 87, Nelson Piquet sofreu traumatismo craniano ao bater na mesma curva, que também foi o local de um acidente que quase matou o italiano Ricardo Patrese, em 1992.
Mas voltemos a 94: durante os treinos para a corrida, dois outros acidentes já prenunciavam um final de semana trágico: Rubinho Barrichelo saiu da pista e bateu forte numa proteção de pneus após literalmente ‘decolar’ com a sua Jordan. Por sorte, fraturou apenas o nariz. No dia seguinte, o austríaco Roland Ratzenberger chocou-se a 310 km/h depois de perder o controle do seu Simtek. A imagem do carro rodando pela pista e a cabeça do piloto tombada, já com sangue, chamou a atenção do mundo pela dramaticidade. Naquela cena percebia-se que, ali, o piloto já estava morto. Mas a direção da prova não reconheceu o óbito imediato para evitar o peso da lei italiana. Caso admitisse, a corrida do domingo teria que ser cancelada. Assim, quem sabe, Ayrton Senna ainda estivesse entre nós. Hoje, com 64 anos…
Daniel Andriotti
Publicado em 3/5/24