Manipulações Perigosas

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Os crimes mais chocantes, violentos e repugnantes de um Brasil recente foram, pela ordem e sem pestanejar, o assassinato do casal Richthofen, em 2002; o da menina Isabela Nardoni, em 2008; o do empresário Marcos Matsunaga, presidente da Yoki, em 2012; e do menino gaúcho Bernardo Boldrini, em 2014. Além do espetáculo midiático e de forte apelo popular, há pelo menos duas infelizes particularidades entre eles: ambas as quatro envolverem pessoas de classe média-alta cujas vítimas foram executadas por integrantes da própria família.

Mas hoje é somente do primeiro crime que quero falar. Para quem não lembra, o casal Manfred e Marísia Richthofen, ele engenheiro alemão, ela médica brasileira, foi brutalmente assassinado em sua própria casa, em São Paulo, com golpes de barras de ferro enquanto dormia. Os autores: o namorado da filha Suzane – mentora intelectual do crime e na época com 18 anos – e o cunhado dela, irmão do namorado.

Final de semana passado assisti aos dois filmes biográficos da saga Richthofen, com roteiro e direção baseados num inquérito de mais de seis mil páginas.  Por se tratar de um caso policial famoso, que dominou as manchetes e se converteu em parte da cultura pop-trash nacional ao longo dos anos, confesso que não levava muita fé. Cheguei até a imaginar produções mal feitas, surfando na popularidade de uma história que, dezenove anos depois, não apresentou qualquer reviravolta que justificasse uma releitura.

Mas não é isso que se vê. Muitos menos que os dois filmes tentem romantizar o crime. Nas versões conflitantes regadas a sexo e drogas (faltou apenas o rock’n roll para fechar o triunvirato satânico), “O Menino que Matou Meus Pais”, se dá a partir do depoimento de uma filha assassina e ré confessa. E o outro, “A Menina que Matou os Pais”, sob a perspectiva de Daniel Cravinhos, namorado de Suzane na época. Em que pese a boa atuação dos atores – alguns desconhecidos, outros nem tanto, como é o caso de Carla Diaz, que vive o papel da protagonista Suzane von Richthofen, interpretando a mesma personagem em ambos os filmes, mas com temperamentos completamente distintos – os filmes são indissociáveis porque se completam, mas mostram diferentes pontos de vista de um mesmo crime ocorrido num ambiente familiar bastante conturbado.

Não dá para dizer que a imparcialidade faz parte do roteiro. Passividade e conformismo, sim, é que o se percebe quando Suzane ora é a psicopata que premedita a morte dos pais; ora é a mesma psicopata que induz e condiciona o namorado e o irmão dele a fazerem tudo o que ela manda e quer. Por outro lado, não dá para ter pena dos irmãos Cravinhos mesmo que se assista a apenas um dos filmes. Não se sabe ao certo se eles são ovelhas da manipuladora pastora Suzane ou se são bandidos de fato e de direito. E, diante das contradições, pode-se até considerar as duas coisas ao mesmo tempo. As versões de cada um estão lá, cabendo a quem assiste tirar suas próprias conclusões. Tipo “você decide”…

Mas na verdade e na vida é isso que a gente quer: o ‘me engana que eu gosto’ porque é disso que eu preciso. Miséria alheia e a confusão mental. Amamos roteiros escritos por quem quer decidir a nossa vida. Assim está o momento extremista da política tupiniquim recheada de questões infrutíferas e de retóricas sensacionalistas. Nós, povo brasileiro, somos o casal Richthofen. Os fanáticos da esquerda e da direita são os irmãos Cravinhos. Lula e Bolsonaro são a Suzane.

 

Daniel Andriotti

Publicado em 8/10/21

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