Das histórias de quando fui criança, a que mais gosto de lembrar e contar é sobre minha primeira vez no confessionário, na Igreja Matriz de Tapes, pequena cidade onde morei até os sete anos. Cursava a primeira série no Colégio das Freiras, localizado na mesma quadra da Igreja, ambos com o nome de Nossa Senhora do Carmo.
No final daquele ano, nos mudaríamos para Guaíba. Quando as irmãs católicas souberam, trataram de pedir à Mãe que eu fizesse a Primeira Comunhão enquanto era aluna da escola, acompanhando a turma. Ela concordou, e teve início a minha preparação religiosa.
Em uma daquelas tardes tranquilas, no jardim da casa de uma amiguinha e colega de aula, enquanto brincávamos de bonecas e de missa, treinando a comunhão com pedacinhos de bolacha, descobrimos que enfrentávamos o mesmo problema. E precisávamos resolvê-lo, se quiséssemos receber a bênção do Padre Wunibaldo depois da confissão dos nossos pecados infantis.
O grande problema que nos afligia era este: não tínhamos pecados para confessar. Obedecíamos nossos pais, não respondíamos mal para as professoras, nunca tínhamos dito nome feio nem maltratado animais. Estávamos, mesmo, em uma situação pra lá de complicada.
Até que, poucos dias antes de nos ajoelharmos no confessionário, tivemos uma ideia que parecia perfeita. Nossas irmãs mais velhas adoravam ler romances em quadrinhos naquelas revistas que mantinham guardadas a chave em suas escrivaninhas. Que não eram para nós, crianças, como elas costumavam dizer.
Então, se não eram para nós, crianças, só havia uma explicação: devia ser pecado ler.
Assim, na tarde que era de brincar de missa e de bonecas, nos enchemos de coragem e, com o coração quase saindo pela boca, em uma aventura de grande atrevimento, nós duas pegamos uma daquelas revistas, abrimos e olhamos rapidamente alguns quadrinhos. Colocamos de volta na escrivaninha da irmã mais velha da minha colega e corremos de volta ao jardim.
Pronto, estava feito!
Sábado à tarde, ajoelhada no confessionário, véu rendado sobre os cabelos e rosário de contas nas mãos, fechei os olhos e falei, aliviada, o que era para ser revelado: “Padre, estou aqui porque pequei”. E quando ele me perguntou qual era o meu pecado, respondi de imediato: “Li fotonovela”. Então recebi minha penitência, fazer algumas orações para ser perdoada; levantei e fui rezar ao lado da Mãe. A próxima a se confessar foi minha amiga, e o enredo foi o mesmo.
No domingo, felizes, fizemos a Primeira Comunhão. Graças a Deus, já perdoadas pelo nosso criativo, secreto e único pecado infantil.
Cristina André
cristina.andre.gazeta@gmail.com
Publicado em 8/10/21