Espelhos da Alma

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Durante a pandemia a palavra da vez era confinamento.

A Marinha tem (ou tinha) um tipo de adestramento chamado Endurance. Isso nada mais era do que lançar um navio ao mar por 30 dias, sem porto de destino e com vários marinheiros a bordo. Eram 30 dias sem terra à vista.

Nesse período, os mais antigos a bordo – do Comandante ao sub – ficavam preocupados com a ‘moral’ da guarnição, pois do 15º dia em diante, várias mudanças de comportamento começavam a acontecer. Logo, controlar o humor da tropa era fundamental. O estresse, é claro, era o primeiro sintoma a ser monitorado. Qualquer bobagem era motivo para desavença e conflito. Em muitos casos a porrada ‘comia’ nos alojamentos entre pessoas que sempre foram grandes amigas.

Além de abuso psicológico e militância seletiva outro risco iminente era a constante ameaça de que alguns marinheiros optassem por tirar a própria vida tamanho era o nível da agressividade, do comportamento irracional e do desequilíbrio que a situação os submetia. Com isso, inúmeros casos de suicídio a bordo chegaram a ser registrados. Portanto, confinamento é coisa séria. Eis aí a essência do impagável BBB.

Certa vez atribuíram à Luís Fernando Veríssimo uma frase que ele garante não ter dito: “…assistir ao Big Brother é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construída a nossa sociedade”. Não importa quem é o autor. A verdade é que a cada nova edição, o principal – mais assistido e mais odiado – reality show da TV brasileira se supera. Isso porque, mesmo sendo um retrato do nosso cotidiano, ao melhor estilo “essa é a sua vida”, o ambiente da casa e tudo o que nela acontece, viola e estraçalha a nossa inteligência durante as 24 horas do dia. E o pior: com o nosso consentimento.

Há muito tempo deixei de assistir ao BBB. Tenho apego e respeito ao meu tempo e à minha paciência. Eles são muito preciosos para servirem de plateia e audiência a um bando de desocupados metidos a celebridades ascendentes – que em algum momento foram até chamados de heróis (?!?!?!). Eles estão lá, confinados numa casa luxuosa, comendo, bebendo, dormindo, multiplicando suas desinteligências e ignorâncias, fazendo intrigas entre si, namorando, mentindo, participando de festas badaladas e sem limites e, apesar de tudo isso, ainda concorrendo a prêmios milionários. Inclusive ao de quase R$ 3 milhões pago ao baiano Davi Brito, vencedor da última edição do programa que encerrou na última terça-feira; restando ao gaúcho de Alegrete a premiação pelo segundo lugar.

É perigoso manter pessoas – antes livres e desimpedidas para ir e vir e fazer o que bem entenderem – confinadas, de uma hora para outra, com todos seus diretos cassados. A diferença é que, a turma da marinha se conhecia antes do embarque. A do BBB, não…

Mesmo roteirizado, o Big Brother é, inegavelmente, uma forma de entretenimento. É uma opção de relaxar saboreando conflitos entre pessoas que, enquanto confinadas, criam problemas que não existiam até se reunirem naquela casa. O BBB também serve para mostrar que a nossa verdadeira personalidade está ali, estampada naquele recorte da população representada por seres humanos emocionalmente instáveis e imaturos, fúteis, egoístas, mas sempre festeiros. Pessoas reais em situações inusitadas. E, muito mais do que empatia entre o povo e a Rede Globo, lamento informar, leitores, mas sim, os ‘brothers’ são o nosso espelho. Aqui fora da casa somos ora manipulados, ora manipuladores ou apenas vivemos nos adaptando às circunstâncias com tudo aquilo de bom ou de ruim que acontece à nossa volta.

A vida é prova do líder e paredão o tempo todo…

 

Daniel Andriotti

Publicado em 19/4/24

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