Parábola from ‘Brazil’. Há um trecho da música “Como Vovó Já Dizia”, mais conhecida por “Quem Não Tem Colírio Usa Óculos Escuros”, do saudoso e genial Raul Seixas, que diz: “…a formiga só trabalha porque não sabe cantar”.
É verdade. Mas a formiga, todo o mundo animal sabe, trabalha duro o ano todo, constrói a sua casa e se abastece de comida e de lenha para enfrentar o inverno rigoroso. Enquanto isso, a cigarra se apresenta na noite, cantando nos bares, fazendo shows. E, como ninguém é de ferro, nas horas vagas curte as baladas com as amigas. Mas quando chega o inverno, a formiga refugia-se na sua toca onde tem tudo o que precisa até chegar a primavera.
A cigarra sofre, com frio e com fome. Não tem para onde ir porque as amigas da ‘night’ sumiram. Os bares fecharam. Os shows ficaram escassos. Seu empresário consegue uma brecha no programa ‘Encontro’, com Patrícia Poeta, onde ela queixa-se que não é justo a formiga ter direito à fartura enquanto outros insetos, com menos sorte, não têm onde ‘cair mortos’. A Globo, ‘imparcial como sempre’, aproveitou para fazer o contraponto: uma transmissão direta da casa da formiga, num ambiente quentinho e aconchegante para um café da manhã apresentado por Ana Maria Braga. As imagens mostram ‘aquela mesa’, com uma imensa variedade de pães, geleias, queijos, sucos e frutas… O povo se revolta. A CUT, apoiada por várias ONG’s, organiza uma marcha de apoio à classe dos insetos excluídos, com faixas e cartazes escrito #somos todos cigarra.
No domingo à noite, o programa ‘Fantástico’ não deixa por menos: apresenta uma reportagem especial de 40 minutos onde questiona diversos especialistas, entre eles o grilo-falante e o gafanhoto, sobre o antagonismo social do mundo animal. De um lado da bancada, os defensores da igualdade (pró-cigarra); e do outro, os insensíveis e sem-coração, que defendem o egoísmo empreendedor da formiga. A bancada governista se mobiliza para garantir que o Congresso aprove uma lei sobre a igualdade econômica com efeitos retroativos nos últimos dez verões.
Como se não bastasse a formiga é processada por exclusão ao não prestar assistência à cigarra, considerando que ambas pertencem à classe dos insetos. Decepcionada com a campanha negativa que sofre na floresta, a formiga faz as malas e parte para um país onde o seu esforço seja reconhecido e seus impostos retornem com a garantia de serviços públicos de boa qualidade.
Agora, a casa – quitada – que antes pertencia à formiga é desapropriada pelo governo e transformada numa república para abrigar as cigarras que chegam do interior com seus Iphones e seus tênis Nike. Esse mesmo grupo é beneficiado com o auxílio ‘Bolsa Inseto’. A casa deteriora-se por falta de cuidados e de manutenção. A bancada de extrema direita no congresso dos insetos chega a propor a criação de uma comissão de investigação pluripartidária, desde que presidida por um deputado-inseto do PL, com o objetivo de devastar a vida pessoal da cigarra, principalmente em questões envolvendo projetos culturais beneficiados pela lei Ruanet. No entanto, a matéria é arquivada a mando do STF…
Em meio a tudo chega a notícia que a cigarra morreu enquanto surfava numa praia paradisíaca e, segundo testemunhas, pelo uso abusivo de substância entorpecentes. A Globo disse que a morte foi ‘por causas naturais’ mas esclarece que ela ficou com incontáveis sequelas deixadas pela Covid que ela contraiu em 2020, uma vez que o governo à época, falhou na compra de vacinas e desdenhou do movimento ‘fique na sua toca’. Com o apoio do MST, a casa é ocupada por uma família de aranhas traficantes, que aterroriza a vizinhança com constantes tiroteios. Mas isso a Globo não mostra.
Plim plim!!!
Daniel Andriotti
Publicado em 24/11/23