Permanecer em terra

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Ficava encantada com aquele professor de Física, pela calma como nos apresentava assuntos complicados, pela paciência que tinha conosco, tanto pela velocidade com que queríamos entender tudo quanto por nossa ingenuidade sobre o tempo e a própria vida. E de como conseguia prender nossa atenção conectando as lições científicas aos juvenis interesses que nos moviam.

Houve uma aula em que o dedicado educador explanou sobre tempo, velocidade e aceleração. E nos disse que se fosse possível uma nave espacial acelerar até ultrapassar a velocidade da luz, o tempo não mais existiria para os seus tripulantes. Mas seguiria acontecendo para todos que tivessem permanecido em terra.

Então, quando os tais viajantes retornassem, vinte, trinta anos depois, estariam com a mesma aparência de quando tivessem partido; seus amigos e familiares, porém, estariam vinte, trinta anos mais velhos. Tudo teoricamente, frisou o mestre, porque estávamos muito longe de tornar essa viagem uma realidade.

Alguns de nós, os estudantes daquele mundo diferente de hoje, sugerimos que o assunto se estendesse ao filme “O Planeta dos Macacos”, a impressionante ficção científica que, anos antes, lotara cinemas mundo afora. O professor nos atendeu, pedindo que alguém resumisse o enredo da história, o que fizemos em parceria.

Uma nave que conduzia astronautas em viagem pelo espaço teria ultrapassado a velocidade da luz, e o tempo, como nós o conhecemos, havia parado de passar para os viajantes. Eis que houve um problema e a nave caiu em um planeta desconhecido para eles. Era comandado por macacos, que escravizavam os humanos, e eles não entendiam que o lugar onde estavam era o mesmo do qual haviam partido décadas antes.

De repente, o mestre lançou um questionamento que ultrapassou todas as fronteiras da sua disciplina, instigando o bom debate filosófico. Teria valido a pena terem acelerado tanto para ultrapassar a velocidade da luz? Para onde voltariam aqueles astronautas que perderam o tempo de suas vidas? O que fazer no lugar deles?

Ainda fico encantada quando lembro daquelas aulas. Éramos jovens com muita pressa de viver, queríamos acelerar mais e mais para ultrapassar a velocidade da luz e cruzar o universo. E o professor, que já sabia como o tempo se comportava, nos ensinou a permanecer em terra.

 

Cristina André

cristina.andre.gazeta@gmail.com

Publicado em 23/7/21.

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