Outro dia escrevi sobre isso. Mas vamos de novo: em se tratando de música é provável que eu seja um conservador. Um saudosista, talvez. Reconheço. Música de um modo geral. Essa dedução me assombra a cada vez que minha filha diz que só escuto aquilo que foi produzido no máximo até a metade dos anos 80. Segundo ela, meu argumento é que “de lá para cá, nada mais prestou”. Pode ser. Mas eu juro que tento escutar ‘algo novo’. E, para tanto, aciono os meus ‘tímpanos da fé’, sem preconceitos e sem tantos ‘filtros qualitativos’. Mas não dá…
Não dá porque eu admito – e sem falsa modéstia me orgulho disso – que tenho uma certa exigência para música. Me utilizo de alguns parâmetros com um mínimo de qualidade para avaliação. Gêneros, melodias, ritmos, arranjos, harmonias, interpretação e, por fim, letras. Essa última, só vale para a MPB, porque as que vêm de fora se entende muito pouco ou quase nada. Por isso a ‘poesia’ da música estrangeira é o um conceito menos importante. Se a qualidade das letras fosse fundamental para o mundo da música, os Beatles estariam tocando no Cavern Club até hoje, de quinta a domingo.
Então vamos de MPB: a música brasileira em todos os seus gêneros, na minha opinião, nunca esteve tão pobre, salvo raríssimas exceções. O público-alvo da atual indústria fonográfica tupiniquim se contenta com composições de melodias simplórias, embasadas em arranjos de poucos e recorrentes acordes que nem deveriam existir. Letras sem sentido – quando não são chulas – que abusam de palavras repetidas para rimar amor com flor e dor. Mas aqui precisamos abrir um parêntese: nas últimas duas décadas, como essas músicas têm chegado aos nossos pobres e castigados ouvidos? Quando minha filha diz que ‘parei nos anos 80’ ninguém me pergunta como eu escolhia aquilo que eu queria ouvir na época, sem o auxílio da internet e das plataformas de streaming. Eu respondo: primeiro, a opção por rádios alternativas, tanto no AM quanto no FM. Principalmente aquelas em que eu sabia que o “jabá” (abreviatura de jabaculê, comissão em dinheiro que as gravadoras distribuem às rádios e aos DJ’s para que toquem determinadas músicas de seus artistas) eram mais discretas. Segundo (e a mais complexa): horas e horas nas cabines das lojas de discos (pesquisando e pesquisando… num primeiro momento LP’s e posteriormente os CD’s) para ver o que poderia ou deveria ser comprado. E por fim, revistas especializadas e a conversa com amigos de gosto apurado.
Corta para os dias atuais: os responsáveis por tudo o que nos desce goela abaixo em termos de produção fonográfica não são exatamente os sertanejos universitários, os pagodeiros, os hip hops, os funkeiros, os MC’s. Quando se fala em TV aberta, por exemplo, a massificação cultural do país que em algum momento tinha em Chacrinha, Flávio Cavalcanti, Silvio Santos e até mesmo Bolinha e Raul Gil, um critério para o lançamento de ‘novos artistas’, a coisa degringolou com a popularização midiática de Faustão, Gugu Liberato (in memorian), Luciano Huck, entre outros, no comando dos seus programas de auditório. É preciso admitir que grande parte da produção musical brasileira sempre foi de muito boa qualidade, mas hoje falta espaço para elas. Não tem “The Voice Brasil” que corrija isso. Acontece que se não sabemos onde está refletida nossa ampla diversidade de talentos e não temos por onde conhecer coisas diferentes, seguiremos sendo escravizados para consumir Anittas, Dilsinhos, Belos, Ludmilas, Ferrugens, Barões da Pisadinha, só para citar os ‘top stars’. Outro detalhe: as plataformas de streaming trazidas pelo futuro respondem a algoritmos. Logo, tudo o que você pesquisar lhe tornará refém daquela inteligência artificial. Sempre que buscar alguma informação, ela vai disponibilizar algo associado à sua primeira escolha. Se é só isso que chega aos nossos ouvidos – porque alguém decide que só devemos ouvir isso – é preciso engolir o choro.
Daniel Andriotti
Publicado em 5/4/24