Ensaio Geral

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De domingo para segunda, o mundo mudou. Nem que tenha sido apenas na folhinha do calendário – a menos que você tenha acertado as seis dezenas da Mega Sena da Virada. Mesmo para quem não está entre esses felizardos milionários, a transição de um ano para o outro é sempre comemorada porque o inconsciente da maioria das pessoas acredita que ‘agora sim, começa um novo ciclo e tudo irá mudar’. Para melhor, no caso.

As preces mais desejadas são, via de regra, ‘saúde e realizações’. Saúde é saúde e ponto, porque é necessária e fundamental. Nas realizações, estão incluídas, numa prateleira superior, a paz e o dinheiro; e depois todos aqueles outros sentimentos essenciais à felicidade. Tenho um amigo que brinda e diz: “saúde e dinheiro. Se tiver amor, é lucro”.

Se o mundo mudou, algumas e muitas coisas seguem idênticas. Pelo que vi nas redes sociais, boa parte do Brasil foi para o litoral no réveillon – até aí, nenhum problema. Eu fiz parte de uma minoria que não foi. Mas conversei com muita gente que foi. E ao que tudo indica, 98% delas escolheu Capão da Canoa. Os outros 2% se dividiram entre Santa Catarina e os demais 59 balneários que formam o litoral gaúcho. De Capão, vi fotos. E vídeos. E conversei com pessoas que estiveram lá. Multidões por toda a parte. Desde a Free-Way engarrafada e filas nos pedágios, passando por supermercados, restaurantes, postos de gasolina, padarias e farmácias. Aliás, farmácia é um estabelecimento fundamental para quem tem mais de 50 anos. E nessa idade, todos os lugares do mundo onde a fila tem mais de quatro pessoas deixa de ser diversão e entusiasmo para se tornar um desconforto. Isso porque quem passa dos 50 sabe que tem menos tempo de vida pela frente do que já viveu até ali.

Mas não é exatamente isso que me incomoda em locais com grande concentração de pessoas. Nem tão pouco o fator ‘multidão + bebida de álcool’, combo que em qualquer lugar do mundo mantém aceso o pavio do tumulto por coisas banais, mesmo que todos ali queiram comemorar. A imagem que mais me revoltou entre todas as que vi do litoral gaúcho nesse réveillon foi a da imensa quantidade de lixo ‘esquecida’ na beira do mar. Cenas absurdas, revoltantes, nojentas. Daí alguém – sem razão – retruca: “ah, mas não tinha lixeiras suficientes para o descarte”. Pode ser. Mas nesse caso, leve suas garrafas vazias, suas latinhas, sacolas plásticas, embalagens seja lá do que for, de volta pra casa, pro hotel, pro carro, pro camping onde as pessoas estavam alocadas. Simples assim. Tudo é uma questão de educação, conceito que não requer escolaridade, dinheiro no banco, opção sexual, cor de pele, ideologia política. Enquanto isso não mudar, o futuro das próximas gerações será caótico. Se não for o fim do mundo – do ponto de vista ambiental – é um ensaio geral qualificado.

 

* * *

Quem, como eu, utiliza muito as rodovias BR-116 e 392, no sul do Estado, deve estar perplexo com o aumento de 28% aplicado no valor dos pedágios das praças administradas pela concessionária EcoSul. Não vou entrar no mérito de que, por força de contrato, o reajuste deveria ocorrer anualmente no dia 1º de janeiro e que nos últimos dois anos, sabe-se lá por quê, só ocorreu uma majoração na tarifa em novembro de 2022. Isso é assunto para a agência reguladora, no caso a ANTT, e a justiça. O que impressiona são os valores. Para veículos pequenos, os atuais R$ 15,20 passaram para R$ 19,60. Entretanto, quando se trata de veículos de carga, o golpe é duro, seco, impiedoso, desumano, desigual. Imagine um caminhão de grande porte, com 9 eixos. Para sair de Guaíba e ir a Rio Grande, ele vai passar por três pedágios na ida e outros três na volta – dois na BR-116 e um na 392. Cada passagem, R$ 234,70. Ou seja, para ir a Rio Grande e voltar, o condutor terá que desembolsar R$ 1.408,20. É o pedágio mais caro do Brasil e talvez o mais caro do mundo na relação custo X benefício. Praticamente o valor de um salário mínimo numa única viagem. Acrescente a isso, o custo do combustível, o desgaste do caminhão, a remuneração e a alimentação do condutor…

Repito a frase final do parágrafo acima: Se não é o fim do mundo – do ponto de vista econômico – é um ensaio geral qualificado.

 

Daniel Andriotti

Publicado em 5/1/24

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