Ela queria apenas conversar com alguém

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Peguei uma das tantas couves-flores que estavam expostas naquele balaio do supermercado para ver se estava boa, e aquela jovem senhora apareceu, de repente, me perguntando se eu estava pensando em fazer uma torta com a hortaliça que segurava. Mas não me deu tempo para responder.

Sem que eu dissesse palavra, ela me sugeriu que fizesse. E antes que eu pudesse raciocinar sobre o que estava se passando, a falante desconhecida comunicou que me ensinaria. Eu sorri e a aula presencial teve início no setor de hortifrutigranjeiros daquele enorme mercado.

Verdade seja dita, boa parte do que foi dito pela repentina professora de culinária eu não entendi direito, estávamos de máscara, o que dificulta sobremaneira. Além disso, sua dicção talvez não fosse das melhores. Mas a intenção, tive certeza de que era boa, então decidi ser atenta aluna.

Como nos filmes em que acontece o vaivém do tempo, com personagens relembrando cenas do passado e voltando ao presente, minha instrutora para assuntos de couves-flores me disse, umas três vezes, que se esquecera de um ingrediente, então voltava para a primeira parte. Sempre ressaltando que eu não cometesse um erro assim.

Eis que, quase na hora de tocar a sineta para o término da aula, meu marido chegou. Sem saber quem estava conversando comigo, julgando que fôssemos grandes amigas e não nos víamos há muito tempo, não quis interromper. E ficou ali parado, esperando que eu me despedisse dela e voltasse às compras.

Dez minutos durou aquela aula espontânea, contando com a participação especial do meu marido, o agradecimento final e a despedida entusiasmada da instrutora, desejando-me sorte na preparação.

Eu e meu marido, a caminho do caixa, comentamos o que havia acontecido.

– Quem é ela?

– Não sei.

– Olhei, de longe, vocês duas conversando. Pelo entusiasmo dela, pensei que fossem amigas.

– Não a conheço. Ela chegou para escolher uma couve-flor e perguntou se eu queria aprender uma receita de torta.

– Tu sabes fazer, por que respondeu que queria aprender?

– Eu não disse, apenas percebi que ela queria conversar com alguém. Então, fiquei ouvindo.

– Ah…

Vez por outra, lembro do que me aconteceu, dia desses, enquanto escolhia uma hortaliça no supermercado. Da jovem senhora que apareceu, de repente, querendo apenas conversar com alguém. E eu, sem dizer palavra, lhe dei toda a minha atenção.

Ela ficou feliz; eu, também.

 

Cristina André

cristina.andre.gazeta@gmail.com

Publicado em 9/7/21

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