Em viagem ao Exterior, o escritor gaúcho Érico Verissimo foi questionado sobre o lugar brasileiro sulista da sua procedência. E a resposta foi simplesmente supimpa: “Sou de uma cidade que tem orquestra sinfônica”. Foi dessa frase que lembrei, na tardinha de sábado, quando ocupei meu lugar na plateia da Casa da Ospa, a nova e bela morada da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, para assistir o espetáculo “Clássicos do Jazz”, sob a batuta do maestro Evandro Matté e participação especial de seus convidados, gente talentosa da cena musical da Capital Gaúcha, além da norte-americana Tia Carroll, que já cantou com Ray Charles e BB King.
Verdade seja dita, foram duas horas de um dos melhores shows que já fui em Porto Alegre. A Ospa e o Maestro Matté esbanjaram na performance, tanto seguindo a disciplina das partituras quanto se integrando a um certo balanço espontâneo e à alegria, numa simpática demonstração de que estavam se sentindo realmente em casa. E recebendo as visitas que tanto esperavam.
Já preparados para o início do espetáculo, ficamos todos admirados ao ouvir um som diferente, que não era dos músicos que estavam no palco, mas de um grupo que vinha lá do fundo da plateia. E percebemos, então, que tratava-se da apresentação dos convidados locais, liderados pelo Maestro. E que surpresa encantadora foi aquela!
Sob aplausos constantes e sorrisos da plateia, passaram os pianistas Luciano Leães e João Maldonado, Mari Kerber e Bethy Krieger, os saxofonistas Luizinho Santos e Ronaldo Pereira, o cantor e gaitista Ale Ravanello. Subiram ao palco, foram apresentados e saíram de cena, para retornarem no momento que lhes caberia ocupar o lugar de destaque daquele palco tão rico em talentos. E foi assim que todos fizeram, com o devido brilhantismo, acompanhados pelo luxo musical da Ospa.
Durante aquela primeira hora de show, de tão bom que estava, cheguei a me preocupar com a Tia Carroll, atração principal. E mesmo sabendo sobre o seu extraordinário potencial artístico, percebi que não seria tarefa fácil a responsabilidade de surpreender e emocionar depois daquelas apresentações sensacionais. Contudo, conhecendo o talento fora do comum do Maestro Matté, que além de reger é diretor artístico da Ospa, deixei esse receio de lado. E acertei.
Quando Tia Carroll soltou aquela voz magnífica, nós, da plateia, já emocionados pelos pratas-da-casa – que voltaram ao palco para cantarem e tocarem com ela, fomos inundados por sentimento que, certamente, era gratidão. Afinal, o mundo da boa música e dos talentos verdadeiros estava a salvo naquela casa de respeitáveis donos.
Na saída do espetáculo, presente dos melhores, encontrei a cantora norte-americana, que conversava com as pessoas com muita alegria. Brasileira da gema, dei-lhe um baita abraço e agradeci pelos momentos musicais ímpares. E voltei para casa com as fotos desse adorável e inesperado encontro.
Agora, ao lembrar da resposta de Érico Verissimo, quando foi questionado sobre o lugar brasileiro sulista da sua procedência, hoje certamente caberia um complemento: “Sou de uma cidade em que a orquestra sinfônica tem casa própria, sabe escolher e receber suas visitas muito bem”.
Cristina André
cristina.andre.gazeta@gmail.com
Publicado em 29/7/22