Somos o país da rejeição.
Tive um professor que lecionava as disciplinas de Pesquisa Mercadológica e Marketing Político e Empresarial. E ele sempre nos dizia: “quando forem olhar para uma pesquisa de intenção de votos de um determinado candidato, coloquem sempre antes uma grande lente de aumento sobre a rejeição dele…”.
Em 2018 pouca gente conhecia Jair Bolsonaro. Tudo o que sabíamos é que se tratava de um discreto capitão da reserva do Exército e de um deputado federal de pouca expressão no cenário político brasileiro. Mesmo assim, obteve 57 milhões de votos válidos no segundo turno daquela eleição, superando em 10 milhões o seu adversário na época, Fernando Haddad, do PT.
Por que isso aconteceu? Vários motivos. Mas o principal deles, a rejeição que o eleitorado nutria pelo PT, desgastado por inúmeras denúncias de corrupção e cuja militância não conseguia argumentos conclusivos para contrapor. Quatro anos depois, o filme se repete, só que agora pelo lado inverso. É lógico que a cada nova eleição as variantes se renovam e por vezes se repetem: Lula é maior, mais carismático e mais popular do que Haddad. Aliás, Lula é maior que o próprio PT. Outra: a esquerda é infinitamente mais articulada e mais barulhenta do que a direita. Um amigo me enviou uma ‘leitura popular’ sobre isso. Disse ele: “a esquerda é aquela velha senhora, sorrateira, experiente e dona do cabaré. E a direita é aquele guri de apartamento, ingênuo, mimado e ansioso, que vez por outra frequenta a zona do meretrício”. O problema – e a minha grande preocupação – é que ambas possuem diferentes visões a respeito do conceito “democracia”.
Mas o que realmente pesou na hora de apertar o botão ‘confirma’ no último domingo foi ela, de novo: a rejeição. Bolsonaro fracassou e sucumbiu nos rótulos de negacionista, homofóbico, fascista, miliciano, entre outros. E assim não foi capaz de reverter esse ‘pacote de maldades’ na opinião de pelo menos mais 2 milhões de eleitores que lhe faltaram. Não conseguiu convencer aquele 1,8% de que era melhor que o seu adversário, apesar da também enxurrada de adjetivos que denegriu a imagem e o caráter de Lula, do PT e de seus asseclas nos últimos anos.
Vivemos um momento político desafiador, mas pouco saudável para um país em desenvolvimento ou um país emergente, que acaba culminando na divisão em dois grandes blocos – o do nós contra eles. Bloquear rodovias, longe de ser uma solução, aborrece ambos os lados. Até mesmo o lado de quem não tem lado. Denunciar fraude nas urnas sem um pingo de provas é calúnia, injuria e difamação. Acampar e protestar na frente de prédios militares é uma utopia ilusória. Inês é morta. É hora de engolir o choro e desmanchar o beiço. O chamado ‘mito’ foi desconstruído pelo voto do nordeste, principal reduto petista e única região do Brasil onde Lula ficou à frente de Bolsonaro. Muito a frente. E isso fez toda a diferença em relação às outras quatro regiões que Bolsonaro venceu por margens insuficientes.
Portanto, não vai haver uma nova eleição. Não vai haver um terceiro turno. Não vai haver intervenção militar, tão pouco golpe. Tudo isso é inconstitucional. Enquanto ficamos míopes pela revolta, cegos por vingança, desperdiçando nossa energia na polarização, reclamando, atacando uns aos outros, alimentando essa onda que causa angústia e medo, deixamos de fazer a única coisa que poderia ser verdadeiramente revolucionária nesse momento: seguir vivendo, cuidando das nossas coisas e de tudo aquilo que nos faz feliz.
Daniel Andriotti
Publicado em 04/11/22