No Brasil, existem muitos Brasis, lógico. Disso, até Cabral já sabia quando atracou suas caravelas em Porto Seguro por volta de 1500 e veio um índio vestindo apenas um jaleco escrito nas costas ‘guardador autorizado’, correndo e gritando: “tá bem guardado, doutor!!!”. Mas, de forma ampla e irrestrita, quero falar especificamente de dois Brasis: um deles é o Brasil do governo. O Brasil político. O Brasil rico. O Brasil do terno, gravata e colarinho branco. O Brasil de Brasília. Dos carros pretos, com vidros pretos e dirigidos por motoristas que vestem ternos pretos. O Brasil dos carpetes verdes e azuis. Dos ascensoristas que para fazerem o elevador subir e descer de terças a quintas-feiras, recebem R$ 30 mil por mês. Esse Brasil é cafajeste. É incompetente, corrupto e desleixado (inclusive com aquilo que pensa que é seu). Esse Brasil é fraudador, picareta, corrupto, ilícito, egoísta, traidor, dissimulado, debochado. O Brasil-governo é criminoso. É o Brasil do crime organizado amparado por leis. É o Brasil da falcatrua. Do flanelinha. Do cambista. Da enganação. Da orgia financeira com o dinheiro que entra fácil e por isso escorre pelo ralo sem nenhum controle. É o Brasil da sacanagem, da impunidade, do faz de conta…
O outro Brasil é o nosso. O patriota. O da sociedade. O Brasil pobre. O Brasil do mico. O Brasil que trabalha. O Brasil que acorda cedo e rala muito. E que sofre nas torturas provocadas pelo seu coirmão Brasil-governo. Esse sim, pensa que é autônomo, mas para tudo depende do nosso dinheiro. Do dinheiro do Brasil-povão. É o nosso Brasil que paga a conta do outro. A conta de tudo. Sim, porque metade de tudo o que ganhamos e de tudo o que adquirimos honestamente no Brasil-plateia vai sem dó nem piedade para o Brasil que está no palco. E que, por sua vez, não entrega absolutamente nada em troca.
O nosso, é o Brasil do ônibus sujo, lotado e da tarifa cara. É o Brasil da fila que não anda. Da obra pública que custou 10 vezes mais o seu custo real e que nem sequer foi iniciada. O nosso é o Brasil do esgoto a céu aberto. Do hospital sem maca, com doentes demais e médicos de menos. Da escola sem giz e sem merenda, mas com um professor esforçado e desmotivado. Praticamente um voluntário. Assim como voluntários são os nossos policiais.
O Brasil-chinelo é o do viciado que atira à queima roupa na vítima que demorou meio segundo para lhe alcançar um celular, um boné, um par de tênis. “A arma disparou porque eu me assustei. A madame mexeu o braço e pensei que ela fosse reagir, tá ligado?”. Ah, tá. Tô ligado. Duro é saber que o Brasil imaginário – que é bem menor que o outro – está vencendo a queda de braço contra o Brasil real: a carne é fraca, mas é podre. Tem soda cáustica no leite. Tem celular sem sinal e rede 4G que não funciona, mas é a mais cara do mundo. Tem água de poço engarrafada, tem botijão de gás de com 11 kg, mas que pagamos como se tivesse 13. Tem medicamento genérico sem controle de qualidade, airbag que não abre, recall de carros malfeitos, bomba de gasolina fraudada, cartão de crédito clonado, tem vaga de estacionamento para idosos e cadeirantes, mas que é utilizada por quem é jovem e caminha perfeitamente. Tem o fundo do poço e a interminável esperança de dias melhores. Nossa utopia é que nos guia atrás de um Brasil verdadeiro!!!
Texto publicado originalmente no dia 25 de março de 2017.
Daniel Andriotti
Publicado em 2/7/21.