Em julho de 82 eu tinha 15 anos. Auge da paixão de qualquer guri por futebol. Pois foi no dia 5 de julho daquele ano que perdemos a Copa do Mundo com a melhor seleção brasileira que vi jogar em todos os tempos. Terça-feira, essa ‘catástrofe esportiva’ completou 40 anos. Há um livro escrito por um dos protagonistas daquele jogo – que fez até gol – na fatídica derrota por 3 a 2 para a Itália. Paulo Roberto Falcão é autor de “Brasil: o Time Que Perdeu a Copa e Conquistou o Mundo”. Sim, levamos três gols do centroavante italiano Paolo Rossi e lá se foi o tetra diante de 40 mil pessoas no estádio Sarriá, na Espanha; e para a perplexidade de outras 4 bilhões em frente da TV pelo mundo afora.
Aquele era o time que deu origem a expressão ‘futebol-arte’. Leandro (um dos melhores laterais que vi jogar), Oscar, Luizinho, Júnior, Zico, Falcão, Cerezo, Sócrates, Éder… e para completar, na minha opinião, os dois ‘mais fracos’ escolhidos pelo técnico Telê Santana: o goleiro Waldir Peres e o centroavante Serginho Chulapa (que substituía Careca, o eleito, mas que não conseguiu tratar uma lesão a tempo). No primeiro jogo, um susto contra a (então) União Soviética: saímos perdendo por um a zero numa falha dele – Waldir Peres. Mas viramos o jogo. Se não tínhamos um bom goleiro, a Rússia tinha o melhor: Rinat Dasayev, um sucessor à altura do seu conterrâneo Lev Yashin. A virada veio com gols de Sócrates e Éder (esse, num corta luz genial de Falcão). Depois veio a Escócia. De novo, saímos perdendo. Mas fizemos 4 a 1 num espetáculo de encher os olhos. Já classificados, o terceiro jogo dessa primeira fase foi contra a Nova Zelândia: um ‘passeio’ de 4 a 0 e um estilo de futebol que não se via desde o carrossel holandês de 74.
Primeiro do Grupo, fomos para dois confrontos na segunda fase: Argentina e Itália. Atropelamos os ‘hermanos’, vingando a Copa de 78 com uma atuação irretocável para um placar de 3 a 1. E então, três dias depois, a Itália – que também havia vencido a Argentina. Como o empate nos bastava, era para ser um jogo de ‘alma leve’. Até porque éramos a única seleção com 100% de aproveitamento até ali, enquanto a Itália, em quatro jogos só havia vencido um. Mas o futebol é uma caixinha de surpresas…
Com cinco minutos de jogo já estávamos perdendo por um a zero. Gol de cabeça. Nossa zaga parecia a do Inter quando faz posição de estátua. Mas time bom não se abala quando leva um gol, certo? Em seguida, Zico faz uma assistência cirúrgica para o doutor Sócrates deixar tudo igual. A Itália fazia a marcação que hoje chamamos de ‘linha alta’. Numa dessas, Cerezo, na lateral do campo, ignorou o conselho que todo professor de educação física dá para os meninos de 8 ou 9 anos que estão começando a jogar futebol: “nunca atravesse uma bola na frente da sua própria área”. Dois a um, Paolo Rossi de novo.
Voltamos para o segundo tempo, confiantes. Era só empatar e pronto. Dito e feito: um passe de Júnior para Falcão, que disparou um ‘canhotaço’ da marca da grande área. Aquela imagem do ‘ex-Bola Bola’ colorado correndo em direção às câmeras, vibrando, com as veias prestes a saltar do pescoço, sensibilizam o mundo até hoje nas vinhetas de TV. Dois a dois. Que venha a semi-final…
Mas como dizia o poeta: o jogo só acaba quando termina. Escanteio para a Itália. De novo, a zaga do futebol-arte já previa como a zaga do Inter iria atuar num lance como aquele 40 anos depois. Um bate-e-rebate dentro da área, ninguém afasta e a bola vai parar nos pés de quem? Sim, dele. Do carrasco, que morreu em 2020 aos 64 anos.
O tetra veio, em 94. E o penta duas décadas depois daquele fatídico 5 de julho. Talvez nunca mais tenhamos uma seleção brasileira com a qualidade daquela de 82. A de Dunga, Bebeto e Romário, em 94; ou a de Rivaldo, Nazário e Ronaldinho Gaúcho em 2002 não chegaram a encantar o mundo. Mas fizeram história porque voltaram com a faixa no peito e o caneco no armário. A de 82, só no livro do Falcão…
Daniel Andriotti
Publicado em 8/7/22