Houve um tempo em que toda casa de família católica tinha a mesma cena retratada em quadro, geralmente na sala de estar, para que todos que chegassem ou saíssem pudessem vê-lo. Variando nas cores e nos tamanhos, aquelas réplicas da obra original “A Última Ceia”, pintada por Leonardo da Vinci na parede de uma capela (por isso chamada de afresco, não de quadro).
O magnífico artista e intelectual italiano que viveu no século quinze, por meio de seu talento incomum, gravou com tintas coloridas a derradeira refeição de Cristo antes de ser crucificado.
Segundo a história cristã, na quinta-feira da Semana Santa, Jesus reuniu seus doze apóstolos, lavou os pés de todos, repartiu o pão com eles e fez um sermão que norteou a crença que surgia. Foi uma espécie de despedida daqueles que teriam sido seus primeiros seguidores. Na Sexta-feira Santa, o dia seguinte, Ele morreu na cruz.
Nascida e criada em lar católico, aprendi, desde muito cedo, a reverenciar aquela cena multiplicada em milhões de pequenos quadros mundo afora. Muita gente, como a minha mãe, a chamava de Santa Ceia.
Muitos anos se passaram, eis que a vida me presenteou com emocionante viagem às terras onde viveu Leonardo da Vinci, as mesmas onde nasceu e foi criança meu avô materno, que também tinha Leonardo no nome, provavelmente em homenagem ao grande pintor.
Foi lá que visitamos, eu e meu marido, o convento Santa Maria delle Grazie, na cidade de Milão, Norte da Itália, onde está o afresco que nos acompanhou por toda a infância na forma de pequenas cópias. Protegido por climatização especial e seguranças, no local somente era permitida a entrada de algumas pessoas por dia.
Naquela tarde de outono, mais de uma década atrás, uma chuva fina caía no lugar da minha descendência. Dos nossos olhos agradecidos, lágrimas para lavar a própria alma.
Durante todo o tempo que nos foi permitido, ficamos ali sentados, em frente àquela enorme parede com “A Última Ceia” que Leonardo da Vinci pintou. Em silêncio, emocionados, apenas apreciando parte das nossas próprias vidas.
Porque houve um tempo em que toda casa de família católica tinha aquela cena exposta num quadro, geralmente na sala de estar, para que todos pudessem vê-la.
Cristina André
Publicado em 29/3/24