Crianças, quando brincam, estão treinando para ingressar no mundo dos adultos. Na preferência demonstrada por este ou aquele afazer de mentirinha, talvez cada uma esteja traçando seu futuro profissional. É assim que todos começamos a demonstrar vocação para o trabalho, parte imprescindível da vida desde a infância.
Ninguém fique admirado se o gurizinho que passava horas montando e desmontando seus pequenos carros tenha se tornado o mecânico competente a quem entregamos sem medo nossas máquinas reais. Nem ache graça pelo fato da guriazinha que gastava todo esparadrapo fazendo curativos nas bonecas hoje ser atenciosa enfermeira, para a qual confiamos a tarefa de vacinar nossos filhos.
Mas o gosto pelo trabalho pode contrariar os primeiros sinais, aparecer na adolescência. A opção, então, acontece por razões que não seguem normas gerais, pode ser pela influência de amigos, de colegas ou namorado; quem sabe para seguir a tradição da família, pela adequação à realidade, modismo; ou pelo sucesso de alguém, por admiração.
Pelo trabalho, compreendemos melhor a vida, com suas verdades
que parecem contraditórias.
Como no compromisso com tarefas diárias, cumprindo horários e aceitando desafios, conquistarmos
a verdadeira liberdade.
Não deve ser motivo de espanto a notícia sobre o menino que passava horas e horas construindo pontes com palitinhos de picolé e traçando estradinhas no quintal de casa agora aparecer usando chapéu de tecido branco, comandando aromática cozinha, preparando pratos de dar água na boca. Nem a respeito da menina que só queria ganhar panelinhas e maquiagem nos natais e hoje atende todo dia, cheia de contentamento, em seu movimentado consultório médico.
Também são muitas as vidas que se transformam pelos caminhos profissionais escolhidos já em fase que parecia tardia. Há histórias surpreendentes de gente que estava no rumo certo e, de repente, se viu fascinada por afazeres pelos quais tinha se esquecido do antigo interesse. Mudando de estrada, abrindo todos os sentidos para além do horizonte já desbravado.
E assim como podem ser colhidos saborosos frutos na árvore plantada no pomar que se mostrava completo, engana-se quem deixa de confiar na nova competência do estudante de curso noturno que ficou anos construindo e pintando moradias enquanto acalentava o sonho de defender o mundo. Em seu trabalho no tribunal, se vê decidindo destinos.
É o caso dessa professora, que durante anos se dedicou ao ensino dos números, e, hoje, com igual entusiasmo e encantamento, faz das letras mais um dos seus adoráveis trabalhos. Certamente inspirada no mundo encantado de anotações poéticas sobre a vida, que, depois do tema de Matemática, era o que mais gostava de fazer.
Cristina André
Publicado em 26/4/24