Primeiro em Nós

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Há um tempo na vida no qual nossos corações e mentes quase explodem de entusiasmo, se alimentam de sonhos e de utopias. São dias de juventude e conquista de liberdade, de estudos e debates ideológicos, de namoros e amizades eternas, quando nos colocamos na linha de frente contra o sistema, bradamos por justiça e políticas corretas, protestamos contra guerras e arbitrariedades.

Sem economizarmos críticas às incoerências, nossa existência se faz da certeza de que realizaremos tudo diferente do que já foi feito, e conseguiremos, finalmente, mudar o mundo.

Ao amanhecer de um belo dia, porém, o inesperado dá as caras, balança as estruturas das certezas mais sólidas que carregávamos, mexendo com o leme da embarcação que pensávamos comandar. Outro tempo se apresenta, tem início uma nova etapa. Somos desta vez surpreendidos pela exigência de mostrar uma coragem que não sabíamos existir, uma sensibilidade que desconhecíamos ter. E assumindo os caminhos traçados pela experiência, enfim começamos a compreender a realidade, aprendemos que tudo precisa acontecer primeiro em nós.

Dia após dia, discursos que outrora tinham sido tão empolgados em defesa dessa ou daquela banda de rock, desse ou daquele líder intelectual, de um modo diferente de viver, vão dando passagem às atitudes pensadas, aos profundos e delicados silenciares, aos constantes exercícios de tolerância e desprendimento.

Eis que a verdade é uma só: os nossos tempos são muitos, de diversas formas seguimos existindo. Evoluindo, porque esta é a meta maior, aprendendo todas as lições que a vida impõe. Entendendo que o mundo se transforma primeiro em nós.

Lições ensinadas pelo tempo, é preciso colocá-las em prática para que as boas mudanças aconteçam. Antes de falar, saber ouvir; expressar opinião requer cuidadosa reflexão; amar e ser generoso sem cobrar recompensas. Cientes de que nossos melhores dias são os de conexão com a cordialidade e o otimismo, o respeito e a aceitação das diferenças, a presteza e a paz de espírito.

Frases doidivanas sobre ideais e trabalho, nestes dias de maturidade, se despedem alegremente, dão espaço às pequenas e verdadeiras felicidades cotidianas. Irônicas declarações a respeito de ídolos eternos se perdem na poeira, caem os muros invisíveis das nossas inúteis lamentações. Pouco a pouco, cada inconsistência que outrora pareceu fortaleza inabalável vai se despedindo serenamente, deixando-nos com a tarefa de transformar e realizar o possível.

Há muitos tempos diferentes em nossas vidas. Um belo dia, começamos a navegar em águas mais tranquilas e seguras, somos abraçados por uma felicidade simples e consistente. E constatamos, então, que o sonho de mudar o mundo ainda é possível, desde que tudo aconteça primeiro em nós.

 

Cristina André

cristina.andre.gazeta@gmail.com

Publicado em 12/1/24

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