O Lobo e a Ovelha

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Tenho lutado contra algumas das minhas convicções para não abordar aqui, assuntos envolvendo violência e criminalidade. E isso até foi possível durante aquele recesso da pandemia, muito mais pelo fato de ter menos gente nas ruas do que pelo medo dos bandidos em pegarem Covid. Quando a ovelha está resguardada o lobo morre de fome. No entanto, às vezes eu perco essa luta. Como, agora, por exemplo.

Na Amazônia, um indigenista, ex-funcionário da Funai e um jornalista inglês foram executados no meio da floresta por motivos até então ignorados, embora o mundo inteiro saiba o porquê. Durante essa semana ocorreu – e ainda não tinha sido encerrado até o momento em que escrevo essas mal traçadas linhas, o julgamento de um grupo de jovens acusados de um crime em 2015 na pacata cidade de Charqueadas, aqui ao lado, na região carbonífera. Eles são acusados de espancaram até à morte, um outro jovem, na época com 17 anos, na saída de uma festa. “Arrebentaram a cabeça do meu filho”, disse o pai que presenciou a cena naquela madrugada. Em Santa Catarina, uma menina de 10 anos foi vítima de estupro – agora ela tem 11. Há pouco, descobriu que estava com 22 semanas de gravidez. E foi impedida pela justiça de interromper a gestação. Em tempo: a legislação brasileira permite o aborto quando a gravidez é decorrente de estupro. A sentença-chave da juíza para a criança-
mãe: “Você suportaria ficar mais um pouquinho?”. Final de semana, um torcedor do São Paulo, com 20 anos de idade, morreu numa briga contra torcedores do Corinthians. Em Viamão, um motorista de ônibus foi esfaqueado e morto por um assaltante…

Algumas pessoas andam evitando assistir aos telejornais para fugir desse tipo de notícia. Os cinco episódios que citei – dos tantos que acontecem todos os dias – são resultantes de uma situação emblemática do cotidiano brasileiro: a confiança na impunidade. Leitores que encontro pela rua me reconhecem por uma frase que tantas vezes já escrevi aqui nesse mesmo espaço: “bandido bom é bandido morto”. Essa expressão não é minha. Mas eu e 60% de brasileiros que participaram de uma pesquisa sobre violência urbana no ano passado, a adotaram como um mantra. Eu até acho que esse número é bem maior, mas como hoje é politicamente incorreto verbalizar esta opinião… Opa, mas tem 36% que não concordam com ela – outros 4% não sabem ou não responderam – e dizem isso porque acreditam que bandido é vítima da sociedade e só entrou no crime porque o país fracassou enquanto nação e lhes negou uma oportunidade de trabalho. Aí eu vejo um senhor de 60 anos de idade numa cadeira de rodas, empurrando um carrinho para vender pipoca na esquina…

E os crimes que citei lá no início desse texto? Duas mortes por agressão física, um estupro, duas execuções por ameaça de denúncia de grilagem de terras… ? Num país como o Brasil tenho algum sentimento de dúvida em favor da pena de morte, mas leis mais severas, sistema prisional repressivo, justiça mais ágil e rigorosa, eliminação de benesses, de suspenção e progressão de regime, não tenho dúvida nenhuma. Sou fá da postura japonesa: o sujeito é condenado e preso para pagar pelo mal que fez à sociedade. Não existe esta balela de recuperar o indivíduo, reinseri-lo na sociedade, torná-lo “produtivo para um mundo melhor”. Lá não tem rebelião, nem encontros íntimos, nem visitas constantes de familiares e outras criativas tolices nacionais. Concordo que para reduzir a criminalidade é preciso educação, oportunidades e combate à desigualdade social. Mas nós, brasileiros, ainda não estamos preparados para esse tipo de conversa…

 

Daniel Andriotti

Publicado em 24/6/22

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