Assisti a um debate sobre meritocracia ancorado na pergunta: Quem merece o que nesse mundo cada vez mais desigual?!… Lembrei-me do economista americano Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia – 2001: “90% dos meninos nascidos em lares pobres morrem pobres, não importa quão capazes sejam. Mais de 90% dos meninos nascidos em lares ricos morrem ricos, não importa o quão estúpidos sejam. Portanto, mérito não é um valor.”
Tenho o hábito de caminhar depois do almoço. É relaxante! Nesses passeios, costumo visitar a livraria Érico Veríssimo, que fica perto do meu trabalho. Adoro aquele ambiente retrô. Cliente antigo, sempre sou recebido com um sorriso e aquela pergunta: O que tu procuras hoje?
Com a meritocracia na cabeça, numa das passadas na “Érico”, saí com o livro “A Tirania do Mérito” de Michael Sandel. Uma boa análise do papel erosivo da meritocracia no contexto de crescente desigualdades e tecnocracias.
Refletindo sobre o tema, fiz uma viagem ao passado até o primeiro encontro com a filosofia, no científico, no Colégio Estadual Infante Dom Henrique, em Porto Alegre. Oriundo do Ginásio Estadual Cônego Scherer, recém-chegado à capital, recordo o momento em que fui iniciado nessa ciência. Estava ansioso e assustado com o novo.
Foi amor à primeira vista! Fiquei tão absorvido pela narrativa do professor que ele percebeu. Sorrindo, me abordou, perguntando se eu tinha gostado da aula. Engasguei de cara… Sem pensar, instintivamente, lasquei: Quando criança conheci um filósofo e nem sabia disso!
O mestre se aproximou de onde eu sentava e pediu que eu explicasse aquilo. O coração quase saiu pela boca. Tomei coragem e fiz um breve relato dessa história.
Disse, então: Foi no tempo que meu pai trabalhava no Banco Nacional do Comércio, em Guaíba, e eu era aluno do curso primário no Grupo Escolar Gomes Jardim.
Quando havia inspeção na agência, sendo a hospedagem precária na cidade, meu pai, o Seu Carvalho, dava guarida aos viajantes. Depois da janta, rolava uma boa prosa entre ele e o fiscal. Eu curtia aquelas conversas sem entender nada, entretanto, ficava curioso com a caderneta e as anotações que um dos visitantes fazia.
Um dia perguntei: O que escreve aí? “Anoto as ideias novas.” Por quê? “Para não esquecer e depois refletir sobre o novo.” Era simples assim! Trago Oscar Wilde para contextualizar minha afirmação: “Adoro as coisas simples. Elas são o último refúgio de um espírito complexo.”
Complementando a “história”, disse: Professor, agora entendi! Sendo a filosofia o amor ao conhecimento e o colega do meu pai cultuava o saber, ele era um filósofo. O mestre abriu uma pasta, pegou um livro de filosofia e disse: Lê e faz uma resenha. A turma toda caiu em risos.
A filosofia, ao promover consciência da própria ignorância, oportuniza uma investigação da dimensão essencial e ontológica de mundo. Permite entender e superar a opinião irrefletida do senso comum, que mantém o ser humano cativo de uma realidade empírica e de aparências. A meritocracia, certamente, não resiste a uma boa crítica. É apenas um mito que alimenta desigualdades!
“Viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir.” (René Descartes)
Túlio Carvalho
tulioaac@gmail.com
Publicado em 6/5/22
Muito bom seu artigo! Acredito que se a filosofia e a humildade fossem promovidas nas escolas desde cedo viveríamos em um mundo muito melhor, e justo!