Dia de Finados era data sagrada para minha Mãe. Faltando duas semanas para retirar a folha de outubro do calendário, ela começava a falar nas flores que pretendia levar ao túmulo do Pai, em Tapes, e aos parentes e amigos em Guaíba. Gostava de observá-la no cumprimento daquele ritual de rezas, flores e conversas cheias de saudades, da maneira como apreciava fazê-lo, da importância conferida aos seus entes queridos que, feito chamas vigorosas de velas outrora acesas, o sopro do destino transformara em histórias afetuosas.
Vida que seguiu em frente colecionando novembros, depois do apagar da adorável chama materna que tive a sorte de compartilhar, tenho seguido esse mesmo ritual. Copiando o exemplo prático que, dou graças, funcionou muito bem comigo.
Neste dois de novembro, por volta do meio dia, com uma sacola de flores, outra com garrafa de água e material de limpeza, cheguei ao Cemitério Municipal de Guaíba. Antes de entrar, gostei de ver um pequeno altar montado na calçada em frente, pessoas rezando e a imagem de Nossa Senhora sobre a mesa. Foi parada obrigatória, em homenagem à fé que minha Mãe sempre manteve firme e forte. Em um caderno, coloquei os nomes do Pai, da Mãe e do Irmão, falecidos, para que as orações daquele grupo de devotos fossem na intenção destas três pessoas que tanto amei, e que representariam tantas outras.
Em frente ao portão central, emocionada, atravessei o invisível portal que me leva, uma vez por ano, ao lugar reservado às saudades e às lembranças, embarquei coração e alma em mais uma viagem afetiva indescritível. A primeira parada foi no irmão, onde encontrei a cunhada e suas duas filhas. Abraços, lágrimas breves, flores da cor do seu time. E segui meu trajeto.
Com orações parecendo conversas, limpei o túmulo da Mãe, enfeitei com flores e fiquei ali, olhando para aquela foto, distraída do mundo lá fora, em uma espécie de meditação amorosa. Depois, distribuí algumas flores para tios e primos, amigos da família, e, como de costume, reservei duas para algum parente que eu avistasse o nome pela primeira vez. E foi uma boa surpresa.
No caminho de volta ao portão principal, passei por nomes que fizeram diferença nesta minha cidade, na minha própria vida e de familiares. Encontrei, também, muitos conhecidos visitando suas saudades.
Neste dois de novembro, por volta das 14 horas, depois de cumprir o ritual do Dia de Finados, atravessei o invisível portal de volta à vida real. Coração cheio de amor e agradecimentos, com a alma leve feito pluma.
Cristina André
cristina.andre.gazeta@gmail.com
Publicado em 04/11/22