Se o século XX foi, no Brasil, a era do futebol, o XXI vem derrubando esse status. Desde que o inglês Charles Muller nos apresentou à sua majestade, a bola, o esporte passou por um verdadeiro processo de incorporação cultural até se constituir naquilo que batizamos como “paixão nacional”. Na tentativa, talvez, de afirmar que o futebol é nossa propriedade, que fomos talhados para esse esporte, que vencemos cinco Copas do Mundo, que tivemos o melhor jogador de todos os tempos e que somos o povo que mais ama e mais entende o futebol. Só que não…
Eu tenho dito por aí que o futebol brasileiro anda muito chato. Muito mesmo. Quase insuportável. Fora do campo, uma CBF com excesso dinheiro, muitos interesses escusos e pouca gestão. Dentro das quatro linhas, a malandragem – que, vamos combinar, sempre existiu – agora atinge patamares intangíveis para quem gosta do esporte. É muita catimba, muito teatro, muita choradeira e raros lampejos de futebol. Alguém me diz: ‘mas no mundo todo esse esporte vem perdendo o protagonismo’. Eu respeito a opinião, mas não concordo. Tenho assistido alguns jogos – principalmente dos campeonatos europeus – e percebo que, na comparação, estamos cada vez mais distantes de um título internacional.
Quando achávamos que a introdução do árbitro de vídeo traria um pouco mais de seriedade aos lances polêmicos, ele – o VAR – se incorporou ao espírito brasileiro de todas as coisas: o do jeitinho que acomoda interesses. Além, é claro, de interromper um jogo por 4 ou 8 ou 11 minutos, com aquela cena clássica do juiz com um dedo no ouvido, cercado por jogadores mimizentos…
Um recorte de tudo isso foi o campeonato Gaúcho desse ano. Com exceção da dupla Gre-Nal e do Juventude, o nível técnico das equipes do interior foi um dos piores que já vi. E, mesmo assim, a interminável chorumela: os mesmos de sempre não se preocupam em ganhar a competição dentro das quatro linhas. O que importa é o recurso junto à Federação; é o condicionamento de árbitros e de boa parte da crônica esportiva para dar ao torcedor uma explicação por ter um time inferior. Desconhecem a velha lei da ‘banca que paga é a mesma que recebe’. Se hoje é beneficiado por um determinado juiz, amanhã ele será o mesmo que vai lhes sonegar um pênalti ou um gol legítimo que foi anulado por impedimento. Infelizmente, assim caminha a humanidade do futebol, a passos largos rumo ao fundo do poço.
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Essa semana, se viva fosse, a gaúcha Elis Regina Carvalho Costa, que cresceu ali na Vila do IAPI em Porto Alegre, estaria completando 80 anos. Na minha mais singela opinião, jamais houve uma cantora como Elis. Timbre de voz mezzo-soprana e afinação que até hoje não ouvi igual. Em 19 de janeiro de 1982, com então 36 anos, Elis exagerou numa combinação de antidepressivos, cocaína e álcool, coquetel que lhe provocou uma parada cardiorrespiratória irreversível. Ao longo de 18 anos de carreira, vendeu cerca de 4 milhões de discos e influenciou uma geração inteira de novos artistas. Foi velada no Rio de Janeiro e enterrada em São Paulo, deixando claro que nunca fez muita questão de dizer que era gaúcha. Uma pena…
Daniel Andriotti
Publicado em 21/3/25