Como a aurora precursora e em cada recanto desse Continente de São Pedro, termina mais uma semana onde o bagualismo tomou conta de tudo e de todos desde o Mampituba até a fronteira com o Uruguai. Comemoramos a maior e mais emblemática batalha civil que esse país já teve. Nessa ímpia e injusta guerra, envolta em lendas e mitos onde – a la pucha, tchê – saímos derrotados!!! Talvez a explicação do porquê tudo neste estado vire Gre-Nal e contribua para que o nosso desenvolvimento cresça feito rabo de cavalo – para baixo.
Lá pelos idos de 1835, éramos um Rio Grande contra todos e acuado pela exploração do Império. Uma espécie de anseio por liberdade: o sonho de uma república independente. Uma coisa é como a Revolução Farroupilha aconteceu, com suas glórias, contradições e fracassos. A outra é como o gaúcho pensa que ela aconteceu. É onde a versão romântica encontra a vida real.
Temos as mesmas virtudes e os mesmos problemas que qualquer outra Unidade da Federação. Aqui se corrompe, somos corrompidos e se perde drasticamente qualidade na saúde, na educação e na segurança pública, dia após dia. Viramos um Estado pobre, deficitário, mas acima de tudo preocupado com o próprio umbigo. Temos uma classe de políticos de representação duvidosa e uma sociedade bipolar que adora uma ideologia ultrapassada. Arrisco a dizer que somos um povo que perdeu o trem da história e ficou sem rumo. Vivemos num estado que não é atraente para investimentos graças – entre tantas outras mazelas – à instabilidade política e a uma imensa disposição para discordar de tudo.
Mas chega de realidade dura, nua e cruel. E dê-lhe mate, dê-lhe canha e dê-lhe fole a noite inteira no compasso da vaneira. Até porque o gaiteiro era um mulato que até dormindo tocava. Tenho o maior respeito e admiração pelas nossas tradições e – embora nascido e criado num pago muito próximo desse ambiente da lida do campo – o espírito gaudério nunca se apossou do meu corpo. Sou um entusiasmado adepto do mate amargo, do churrasco e de algumas poucas milongas que me soam honesta aos ouvidos. E paramos por aí porque não adianta: ovelha não é pra mato. Não é da minha natureza. Fazer o quê? Lenço vermelho e guaiaca, compradas lá no Uruguai? Nunca tive. Foram raras as vezes em que montei no lombo de um sinuelo macanudo e malacara (aliás, mal sei diferenciar um cavalo de uma ovelha). Tampoco me recuerdo se, em alguma noite, à meia guampa, atravessei um salão dançando um vaneirão pacholento. Essa feita, aliás, dá até para contar nos dedos de uma mão. Mão do Lula, inclusive…
Mas isso não me faz menos importante do que qualquer conterrâneo dessa terra que eu amei desde guri. Como diria o poeta e payador Marco Aurélio Campos, “eu sou gaúcho e me basta pra ser feliz no universo”.
Não tenho a pretensão de apatifar com os festejos da Semana Farroupilha. Longe disso. Não fiquei louco ainda. Agora, tem guasca metido a rapper ou que curte um funk o ano inteiro – rebolando até o chão, inclusive – mas que quando chega setembro, me derruba os butiás do bolso: vira o próprio Sepé Tiaraju, com bota lustrada, pilcha com cheiro de naftalina, chapéu de beijar santo em parede e um petiço emprestado para desfilar no (dia) e na (rua) 20 de Setembro.
Convicção? Isso se vê depois… na cadeirinha das reflexões e do pensamento tradicionalista.
Daniel Andriotti
Publicado em 19/9/25