“Fulano morreu”.
Quando alguém profere essa sentença cruel e traiçoeira a pergunta inicial de quem recebe a notícia é:
‘morreu do quê?’. Na verdade a pessoa quer saber se foi ‘morte morrida’ ou ‘morte matada’. A expressão popular e o tom jocoso fazem com que a informação fique mais leve (se é que isso é possível). Entenda-se por ‘morte morrida’ aquela provocada por algum tipo de doença. Alguns, mais conformados e evoluídos chamam isso de ‘morte natural’.
No caso da ‘morte matada’ trata-se daquela onde quem partiu foi assassinado. Mas e quando morre em
decorrência de um acidente? Bom, aí é apenas ‘acidente’. Ponto. A não ser que o acidente tenha sido provocado por um motorista bêbado. Nesse caso, então, foi ‘morte matada’. Logo, não foi um acidente, pois de acordo com a legislação motorista que bebe e dirige deve ser enquadrado como alguém que ‘teve a intenção de matar…’
Desde que o mundo é mundo, a morte – apesar de ser um episódio estranho – é considerada um aspecto que
fascina e ao mesmo aterroriza a humanidade, embora seja a única certeza absoluta da nossa existência. Um fim biológico irreversível. Um processo universal e inevitável que ocorre com todos os organismos vivos. No contexto hospitalar, baseado na ciência, diz-se que o paciente expira. Se perde.
Vai a óbito. Para muitas religiões, a morte não é o fim definitivo, mas sim uma passagem para outra etapa ou
uma nova vida, assim como na crença da ressurreição ou na imortalidade da alma. Para os ateus ou agnósticos, o ponto final da existência humana. Na filosofia de boteco, a resenha é quando a pessoa ainda não morreu, mas está muito mal, é paciente com síndrome de JEC (Jesus Está Chamando). No gauchês, fala-se na “capa da gaita”, “no bico do corvo”, “nos pés da égua…”
E o suicídio? O suicídio é um homicídio intencional a si próprio, se é que me entendem. É uma ‘auto morte’
onde vítima e algoz são a mesma pessoa. Ao contrário desses, há quem tenha medo da morte. E há quem tenha
pena de deixar essa vida. Existem, no entanto, milhões de possibilidades de lidar e refletir a respeito, não apenas
como um momento unicamente de dor, mas como uma circunstância incontornável. Até para que possamos
encará-lo de forma mais corajosa.
Por que estou falando tudo isso? Porque nos últimos meses tenho perdido muitos amigos e conhecidos. Mas a
vida é assim: na medida que os anos vão passando, nosso círculo de amizades e de parentescos vai se esvaindo. E isso dói. A dor da perda é incrédula e quase insuportável.
Alguns vão mais velhos, outros nem tanto – e esse último grupo machuca ainda mais a alma. Em países e culturas como a do México, de modo simplificado, a morte significa a continuidade da vida. O ciclo viver, morrer e renascer. E, já que é assim, os mexicanos ficam à vontade para brincar com a morte. Talvez, por isso, sejam
melhores do que nós para lidar com esse assunto.
De onde viemos? Para onde vamos? O ciclo se encerra com o último suspiro? Quem nos receberá adiante? Se é que seremos recebidos ‘ali adiante’… Não há respostas para explicar o fim da aventura humana na
Terra. A única certeza é que a morte chega para todos e a vida segue para quem fica. O mundo continua na
perspectiva de outras pessoas e de outras sociedades. A diferença está na capacidade que cada ser humano tem de superar suas perdas, lidar com o luto e administrar as ausências.
Daniel Andriotti
Publicado em 3/10/25