Preciso viajar no tempo para escrever sobre o Pai, sobrevoar minha infância primeira às margens da Lagoa dos Patos. Foi naqueles dias de criancice que, de repente, ele perdeu a vida, deixando tristeza e saudade em quatro irmãos, que a fortaleza do afeto materno consolou e abençoou.
Daquela meteórica convivência terrena com o Pai, minhas memórias foram cuidadosamente construídas sobre os pilares das carinhosas histórias da Mãe, de documentos e fotografias. E do amor fraternal que tive a sorte de receber quando mais precisei.
Tivemos apenas sete anos para nos conhecermos, eu e o Pai, e é desse precioso espaço de tempo que até hoje guardo cenas familiares que me tocam o coração e a alma de um jeito muito especial.
Lembro-me de almoços caseiros, eu e meus irmãos à mesa com a Mãe, o Pai sentado na cabeceira. Me encantava ver seu sorriso tranquilo, demonstração de alegria por compartilhar as refeições conosco. E das noites em que, sentindo medo de ficar no escuro à espera do sono chegar, encontrava sua mão estendida, acalmando como por encanto meu pequeno coração de filha caçula.
Com a vida seguindo em frente, descobri que havia muito do Pai nos meus irmãos, do seu olhar carinhoso e da sua alegria, da atenção para comigo e do gosto pela música. Na aparência de cada um deles, um toque que os identificava como filhos daquele homem que nossa Mãe tanto amou. Em pequenos gestos, como nos olhares lançados ao horizonte quando conversavam sobre outros tempos, havia sempre muita saudade.
Seguiram os passos do nosso Pai, os meus irmãos, no quesito de cuidar bem da família. Dando importância à boa escola para as crianças, no gosto pela mesa farta e compartilhada, nas descobertas através da música e da leitura. Sou muito grata a eles por terem zelado por mim, permitindo que eu continuasse minha criancice depois da nossa dolorosa perda.
Penso no Pai viajando no tempo, sobrevoando a infância primeira, quando brincava de bonecas embaixo do balcão daquele antigo armazém que Ele e a Mãe batizaram de Casa Brasil. E que ficava em uma esquina encantada, na pequena cidade de Tapes, a uma quadra da Lagoa dos Patos.
Neste domingo de homenagear todos os pais, nas recorrentes lembranças feitas de amor e agradecimentos, mais um reencontro com as primeiras leituras no enorme jornal que Ele gostava de ler; passeios de mãos dadas pela horta, cantorias de aniversário ao som de gaita da irmã mais velha, abraços e felicidade em família.
Me emociono ao voltar àqueles nossos dias de crianças no colégio de freiras, quando, repentinamente, Ele perdeu a vida. Eu tinha apenas sete anos, e minhas lembranças paternas precisaram ser construídas com ajuda de histórias maternas, documentos e fotografias, e pela presença dos irmãos.
Daquele tempo meteórico, amor e agradecimentos pela amorosa e inesquecível conexão paterna.
Cristina André
Publicado em 8/8/25