Já escrevi, muitas vezes, nesse mesmo espaço, o quanto eu acho cínico, hipócrita e chato ser politicamente correto. Pronto, falei. Claro que muitas pessoas imediatamente irão me rotular como um conservador, antidemocrático, reacionário. A turma que está sem uma louça suja na pia para lavar, imediatamente, irá me ‘enquadrar’. Sim, o politicamente correto é um movimento que surgiu como um meio de reduzir preconceitos e promover a inclusão. Mas também tem sido objeto de controvérsia e interpretações diversas. Aí que me refiro. Confesso que me incomoda ter que falar e escrever buscando palavras para que ninguém se sinta ofendido ou excluído, uma vez que tudo pode ser racista, preconceituoso, homofóbico. Tudo vira bullying.
Há alguns anos eu estava assistindo a uma palestra da brilhante escritora e tradutora gaúcha Lya Luft, hoje já falecida, no Fórum da Liberdade, na PUC, em Porto Alegre. E ela dizia – para um grupo de pseudos intelectuais no qual eu, é claro, não me enquadrava – que o politicamente correto é algo detestável!!! Hein??? A Lya Luft disse isso??? Sim. Disse. Ninguém me contou. Eu estava lá e ouvi. Imediatamente estufei o peito e dirigi aquele olhar de superioridade às mais de mil pessoas que estavam comigo naquele auditório. Lya Luft antidemocrática, conservadora, reacionária. E acrescentou com uma rajada de balas de misericórdia: “O politicamente correto é um fantasma tirano, uma camisa de força, um rebaixador de nossos valores, um podador da liberdade que tanto se fala e que, tanto, buscamos”. Bom, se a Lya Luft odeia esse conceito tão prestigiado entre uma minoria nos dias atuais, lamento… mas não posso ser visto como um ser de outro planeta, retrógrado e reacionário. Ou ela – respeitadíssima – também era. E ser ‘enquadrado’ no mesmo nível de pensamento da Lya Luft, me agrada. E muito.
Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro disse durante o seu discurso de posse: “Me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto”. Em 2022, Lula, também durante a sua posse falou: “Tá proibido contar piada. O mundo tá chato pra cacete, o mundo tá pesado, sabe? Todas as piadas agora viraram politicamente erradas”, ao defender as chacotas sobre nordestinos. Detalhe: especialistas afirmam que o politicamente correto surgiu como um movimento de esquerda em defesa dos excluídos…
O politicamente correto, em última instância, destrói a espontaneidade. Quanto mais se limita o pensamento, mais pejorativos seremos. Se antes de avaliar a idoneidade, a retidão e o que pensa uma determinada pessoa, eu julgá-la pela sua aparência física, cor da pele, cabelo, peso, altura, ideologia política ou opção sexual, então não sei mais o que é preconceito. Considerar negros, gordos, carecas, gays, bolsominiuns e petralhas, dos demais é exatamente a base do preconceito. A minha geração, por exemplo, cresceu e viveu chamando os amigos por apelidos – muitas vezes depreciativos – como vermelho (os ruivos), neguinho, alemão batata, sarará, surdo, manco, tucano (pelo tamanho do nariz), Dumbo (pelo tamanho das orelhas). E ninguém virou um serial killer por causa disso.
Penso que caminhamos a passos largos para um ambiente seguro demais, engessado demais, onde nada de surpreendente acontece porque o mundo está cheio de regras e pessoas impondo limites. Principalmente, de expressão.
Daniel Andriotti
Publicado em 23/5/25