Até bem pouco tempo haviam três tribos de seres urbanos que eu abominava: a dos cambistas, a dos flanelinhas e a dos pichadores. Com o mundo cada vez mais ‘digitalizado’ e um maior controle sobre a venda de ingressos a primeira atividade praticamente se extinguiu. A segunda, mesmo que seja um ato de extorsão, ilegal e antipático, vai lá que esteja colocando comida na mesa de alguém. Mas pichadores, na minha opinião, são vândalos irresponsáveis que se consideram rebeldes e que para ‘exercerem o seu ofício’ colocam a própria vida em risco. Objetivo: ganhar prestígio no mundinho onde orbitam parasitas que insistem em afetar a autoestima das cidades.
O pichador e seu spray ousado protesta contra o sistema a partir de rabiscos feitos em muros ou paredes de casas e de prédios de alta visibilidade através de símbolos que somente seus integrantes compreendem. Quanto mais alto e mais difícil é o acesso, maior é a pontuação no ranking da estupidez. São abreviações de grafias próprias que funcionam como logotipos ou siglas empregadas para identificar o autor da obra. Uma pichação é essencialmente a assinatura de um grupo, a turma (da bolha). Pode conter o nome dela, a abreviação dos apelidos dos seus integrantes e dados como região e a data. Mas só eles compreendem isso.
Defensores da pichação (com ‘ch’) – sim eles existem – irão tentar me convencer que esse tipo de ‘intervenção urbana’ ou ‘expressão gráfica de elementos estéticos’ também pode ser considerado arte de rua pois, ‘não existe um limite claro entre o que é e o que deixa de ser arte’. Um papo meio Caetano Veloso. Em São Paulo, existe a pixação ou pixo (com ‘x’ mesmo), reconhecida por ter uma ‘dinâmica social estabelecida há 30 anos e um estilo de letra específico, o tag reto, de formas pontiagudas’. Tem até um livro cujo título é “Pichação não é Pixação”.
Outros me dirão que a pichação é por vezes considerada um protesto contra a desigualdade social vivida por jovens da periferia como uma forma de dar voz a quem não a tem. Respeito, mas discordo. Outro detalhe: jamais podemos (ou devemos) confundir grafite com pichação. A pichação é essencialmente agressiva e desprovida de conceitos artísticos. Pichadores escolhem, prioritariamente locais públicos, agem à noite e são vistos como uma forma de ataque e vandalismo ao patrimônio. Já o grafite é bem diferente: tem valor estético no mundo contemporâneo, valoriza o local e, como explicado na Lei, é autorizado quando há o consentimento do proprietário de um bem privado ou do órgão público.
No Brasil, pichador só ‘se cria’ porque acredita e confia na impunidade. Ele ignora que a sua insensatez seja considerada um crime ambiental. A Lei 9.605/98 prevê pena de três meses a um ano de prisão, agravada se executada em prédios públicos e/ou tombados. No entanto, eles sabem que raros são os casos em que a detenção de pichadores é capaz de tirá-los das ruas. No máximo, acabam em ‘serviços comunitários’ cuja pena é uma cesta básica ou na melhor das hipóteses limpar, mal e ‘porcamente’, a própria sujeira que fizeram. E reincidem, reincidem, reincidem…
Para se proteger dos pichadores, alguns donos de casas ou de muros atacados pela tribo do spray nefasto já recorreram à própria natureza: plantam espécies vegetais conhecidas como ‘trepadeiras’ que se transformam em cortinas verdes imunes a esse tipo de vandalismo. Fabricantes de tintas também desenvolvem produtos antipoluição que, ajudam, mas não resolvem porque o objetivo do vândalo é testar, provocar e atacar, cada vez mais, os limites e a paciência da sociedade.
Em Cingapura, delitos dessa natureza são punidos com prisão, multa em dinheiro e…. de três a oito chibatadas. Em praça pública, para a “expressão de arte” fazer exemplo.
Daniel Andriotti
Publicado em 05/5/23