Deus tem dado alguns sinais de que parece andar meio incomodado com o povo gaúcho. Mas, Ele deve ter lá os seus motivos. Ele sempre tem os seus motivos. Nos envia alguns recados, algumas dicas, mas ‘fingimos’ que não estamos entendendo…
Todos os anos, de novembro a março, uma seca avassaladora nos castiga, principalmente na região da campanha onde o racionamento virou uma rotina nessa época. Com isso, as imensas perdas na agricultura levam produtores à falência e inflacionam o preço dos alimentos. Depois, como se não bastasse, os invernos rigorosos maltratam aqueles que muito pouco ou nada têm. E, vez por outra, uma tromba d’água desaba e a enchente leva tudo por diante. Foi o que aconteceu na última semana na região central do Estado, devastando vários municípios e registrando – até o momento em que escrevo essas mal traçadas linhas – 39 mortes e dezenas de desaparecidos.
Isso a imprensa nos atualiza a cada segundo. Mas como a maldade humana definitivamente não tem limites, acontecem coisas que muita gente desconhece numa catástrofe. A primeira delas diz respeito a uma turma – criminosa e que por isso entra na mira da justiça – formada por saqueadores cruéis. Roubos e saques, na calada da noite, de tudo aquilo que podem carregar, como se fossem gafanhotos: pertences pessoais e eletrodomésticos daqueles que tiveram que abandonar as suas casas para sobreviver. E, mesmo que danificados pela chuva, lá se vão geladeiras, televisores, fornos elétricos, micro-ondas…
O segundo grupo – e esse só a justiça divina pode punir – é formado pelos turistas da tragédia: pessoas que se deslocam das suas cidades para os locais atingidos, mesmo que distantes. Lá chegando, estacionam seus carros num local seguro e, de dentro dos veículos, ficam sorvendo um mate e assistindo ao vai-e-vem das pessoas atingidas e dos incansáveis voluntários. Algum tempo depois, dão a partida no veículo e voltam para casa, “horrorizados” com o que viram…
O incômodo de Deus com o povo gaúcho não é sem motivos…
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Houve um tempo em que aguardávamos pela Expointer como uma criança espera pelo Natal. Hoje, a feira cresceu, virou a maior do setor na América Latina e a edição que encerrou no último domingo bateu todos os recordes. De faturamento, de público e, é claro, de dificuldades para chegar e acessar ao parque.
Como não tenho mais filho pequeno, já há alguns anos eu me permito ir na Expointer única e exclusivamente por exigência profissional. O pior meio de transporte para se chegar à feira ainda é o carro. Haja paciência e resignação. Filas quilométricas, tanto pela BR-116 quanto pela ERS-448, a Rodovia do Parque. Depois de ‘algumas horas’, talvez muitas, de pára-e-arranca, passar a cancela e ingressar no parque. O veículo e somente ele vai pagar um ingresso de R$ 40,00 porque as pessoas que o ocupam vão desembolsar outro valor. Vencida essa primeira batalha é hora de um tour pelo pântano em busca de uma quase inexistente vaga para estacionar. Em seguida, uma longa caminhada até chegar aos guichês para o pagamento do ingresso. Novas filas. E por fim, mais uma peregrinação física-aeróbica em marcha atlética para chegar ao núcleo da feira e encontrar aquela verdadeira multidão de pessoas andando de um lado para o outro, algumas dispersas, outras apressadas, além de muitos grupos fazendo selfies com animais ao fundo ou tentando escalar grandes implementos agrícolas. E aquele tradicional cheiro que é um combo de xixi de vaca, de cocô de cavalo, de ovelha e de churrasquinho…talvez, de gato. E esse ano, se São Pedro castigou alguns municípios da região central do Estado, foi generoso com Esteio. Em quase todas as edições, o dilúvio dava o ar da graça durante a feira e transformava o que já era complicado em algo quase inacessível.
É de se compreender que 800 mil visitantes numa feira que dura apenas (e talvez graças a Deus) nove dias não têm como ser algo tranquilo. No entanto, na minha modesta opinião, a infraestrutura para quem vai de carro está na contramão do valor pago pelo acesso ao parque.
Daniel Andriotti
Publicado em 8/9/23