Talk Jô

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Na madrugada da última sexta-feira, o Brasil perdeu José Eugênio Soares, o Jô. Tinha 84 anos e estava internado em São Paulo desde o dia 28 de julho. Não foi divulgada a causa da morte. Sabe-se, no entanto, que estava tratando de uma pneumonia…

Foi como humorista e entrevistador que Jô Soares ganhou fama e manteve a fortuna que já lhe acompanhava desde o berço. Durante muito tempo ostentou o mais alto salário da Globo. Primeiro, como roteirista de programas de riso fácil como “Faça Humor, Não Faça Guerra”, “A Praça da Alegria”, “Família Trapo”, “Satiricom” e “Planeta dos Homens”, até ter o seu próprio programa semanal na Globo, o “Viva o Gordo”, recheado de personagens criados e interpretados por ele a partir do cotidiano dos brasileiros e que caíram nas graças do povo.

Dramaturgo, diretor, poliglota, de raciocínio rápido, Jô levou para a literatura todo seu repertório de humor televisivo. Não por acaso, os nove livros de sua autoria o levaram a ocupar a cadeira 33 da Academia Paulista de Letras. Nunca tive por Jô Soares o reconhecimento como um gênio da raça ou a idolatria que muita gente tem e que eu, evidentemente, respeito. Mas reconheço a qualidade do profissional que simbolizou uma importante história do nosso tempo.

Mas o gran finale da carreira veio como precursor do estilo ‘talk show’ no Brasil quando tornou-se praticamente uma unanimidade como entrevistador – iniciando pelo SBT e mais tarde voltando para a Globo – seguindo a linha do programa de entrevistas com celebridades (e outras nem tanto), no mesmo formato sofá-plateia criado pelo norte-americano David Letterman (a cópia escancarada incluía as canecas, um garçom e uma banda tocando ao vivo no estúdio). A diferença é que Letterman fazia as perguntas aos seus entrevistados e os deixava responder. Jô não…

Claro que muitos dos seus 15 mil entrevistados em 27 anos de talk show estavam ali por conta do ‘jabá’, abreviatura de ‘jabaculê’. Ou seja, alguém estava pagando à emissora para que aquela pessoa fosse entrevistada no “Jô Onze e Meia” (do SBT) ou no “Programa do Jô” (na Globo). Uma espécie de suborno permitido e legal no ambiente midiático-comercial. As ‘rainhas’ do jabá são as gravadoras, para o caso de músicos lançando discos; e editoras quando o ‘convidado’ era escritor. Nesses casos, muitas vezes, Jô ‘apatifava’ com a conversa fugindo do assunto que trazia o entrevistado até ali.

Culto, acolhedor e generoso, Jô não costumava seguir a pauta jornalística na maioria das vezes combinada com o entrevistado antes da gravação. Mas graças a isso o bate-papo se tornava inteligente, agradável e muito mais interessante. Dependendo, é claro, de quem estava no sofá. Até porque – verdade seja dita – Jô costumava fazer perguntas que normalmente, ninguém fazia. Gente de todos os credos e todas as raças, estranhos e consagrados, talentosos ou não, sentaram naquele sofá sabendo que a repercussão dos poucos minutos de conversa seria incomensurável. Pro bem e pro mal.

O sucessor, que não se considera sucessor, é Pedro Bial. Tão culto, acolhedor e generoso quanto. Com uma sutil diferença: talvez pela verve jornalista, Bial é mais permissivo e menos vaidoso quando o entrevistado está falando. Na televisão e na vida, isso faz toda e qualquer diferença.

 

Daniel Andriotti

Publicado em 12/8/22

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