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Na antevéspera do Natal, dez pessoas de uma mesma família morreram quando o pequeno avião em que viajavam caiu no centro da cidade de Gramado, na serra gaúcha. Um golpe no espírito natalino que entristeceu um país inteiro. Identificados os mortos, a cobertura jornalística pautou uma ampla repercussão sobre as mais diferentes e possíveis causas envolvendo acidentes com aviões executivos. Corta a cena para sexta-feira da semana passada: acordamos com um turbilhão de informações a respeito de uma pequena aeronave que havia caído em São Paulo logo após a decolagem. Nele, estavam dois gaúchos – um advogado e o piloto – que morreram no acidente.

Imediatamente após – tanto do acidente de Gramado em dezembro, quanto do ocorrido na última sexta-feira em São Paulo; e isso se deve, em muito, ao avanço da tecnologia – dezenas de emissoras de rádios e de equipes de TV passaram a transmitir ao vivo, muitas delas dos locais dos acidentes, todas as informações envolvendo os mínimos detalhes dos desastres. Sem falar nos blogs e nas plataformas digitais, ocupando em quase doze horas ininterruptas a audiência do país e até de fora dele. Nos dias que se sucedem, ampla cobertura nos veículos impressos e nos telejornais, com rescaldos, modelos de aeronaves, reconhecimento das vítimas e, como um desfecho, as estatísticas envolvendo acidentes com aviões nos últimos anos…

Até aí, os veículos cumpriram o seu (duro) papel de informar, mesmo que – na minha opinião – com um recheio sensacionalista acima da média. Sabemos que o avião é o segundo meio de transporte mais seguro que existe, perdendo apenas para o elevador. E mesmo que o filósofo de boteco Nelson Rodrigues afirme que estatísticas são como biquíni, ‘mostram tudo menos o essencial’, eu acredito nelas. Mas viremos a página: nos últimos 10 anos, o trecho (rodoviário e não aéreo) que vai de Eldorado do Sul a Uruguaiana pela BR-290, matou 739 pessoas em acidentes de trânsito. Isso significa a perda de, em média, 74 vidas por ano, seis por mês, ou uma a cada 5 dias num trecho de de 600 quilômetros. E muitas vezes, não ficamos – sequer – sabendo. Ou se sabemos, é através de uma notinha no jornal impresso ou por 15 segundos numa emissora de rádio. TV? Difícil, só se o acidente envolver ônibus…

Nessa mesma década, os acidentes aéreos no Brasil inteiro mataram quase a mesma quantidade de pessoas: 778. Inevitável a comparação: um trecho em linha reta de 600 quilômetros na relação com um país de proporções continentais como o nosso, com 8 milhões 510 mil quilômetros quadrados, todo coberto por malha aérea e praticamente o mesmo número de vítimas. Na vida real e para a dor dos familiares e amigos, qual a diferença entre as pessoas que morrem de carro na BR-290 e as que morrem num desastre aéreo em alguma parte do Brasil? Nenhuma, é claro. Mas para o conteúdo midiático, morrer num avião em qualquer lugar do país reúne muito mais glamour do que morrer dentro de um automóvel na 290.

Ou não?

Daniel Andriotti

Publicado em 14/2/25

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