Parábola from ‘Brazil’: a formiga trabalha duro o ano todo, constrói a sua casa e se abastece de comida para enfrentar o inverno. Reúne também uma boa quantidade de lenha. Enquanto isso, a cigarra passa os dias malhando na academia e se produzindo para curtir as baladas com as amigas.
Chega o inverno. A formiga refugia-se na sua toca onde tem tudo o que precisa até a primavera. A cigarra sofre, com frio e com fome. Não tem para onde ir porque as amigas da ‘night’ desapareceram. Ela é recebida no programa ‘Encontro com Fátima Bernardes’ onde queixa-se que não é justo a formiga ter direito à fartura enquanto outros insetos, com menos sorte, não tem onde ‘caírem mortos’. A Globo, ‘imparcial como sempre’, aproveitou para fazer o contraponto: uma transmissão direta da casa da formiga, num café da manhã apresentado por Ana Maria Braga. As imagens mostram ‘aquela mesa’, com uma imensa variedade de pães, geleias, queijos, sucos e frutas… O povo se revolta. É organizada uma marcha de apoio à classe dos insetos excluídos #somostodoscigarra.
O Fantástico, no domingo, apresenta um bloco especial de quase 40 minutos onde questiona diversos especialistas, entre eles o grilo-falante e o gafanhoto, sobre as variantes que podem levar uma formiga a enriquecer às custas de uma cigarra. De um lado da bancada, os defensores da igualdade (pró-cigarra); e do outro, os insensíveis e sem-coração, que defendem o egoísmo da formiga. Em resposta às sondagens, o STF se mobiliza para garantir que o Congresso aprove uma lei sobre a igualdade econômica com efeitos retroativos nos últimos três verões. Antes deles, os 16 invernos que o antecederam são ignorados.
Diante dos fatos é impetrado um violento aumento de impostos à formiga. Como se não bastasse ela é processada por não prestar assistência à cigarra, considerando que ambas pertencem à classe dos insetos. Mesmo sendo inconstitucional, há um pedido da bancada de oposição para que o valor das multas seja ‘justamente repassado em sua totalidade’ para a cigarra. Por fim, a casa da formiga é penhorada – num explícito ato de retaliação por ela discordar da alta carga tributária e por buscar a cassação das decisões através de uma liminar na justiça. Decepcionada com a negativa, a formiga faz as malas e parte para um país onde o seu esforço seja reconhecido e seus impostos retornem com a garantia de serviços públicos de boa qualidade.
Agora, a casa que antes pertencia a formiga é convertida numa república para abrigar as cigarras que chegam do interior com seus Iphones e seus tênis Nike. O grupo é beneficiado com o auxílio ‘Bolsa Inseto’ mas o valor pago mal permite a compra de um Big Mac por semana. A casa deteriora-se por falta de cuidados e de manutenção. O governo é fortemente criticado no programa ‘Profissão Repórter’ numa matéria que destaca a falta de subsídios colocados à disposição das cigarras que, agora, vivem em condições subumanas. A principal sigla de esquerda no congresso dos insetos propõe uma comissão de investigação pluripartidária, desde que presidida por um senador do partido e que custará milhões aos cofres públicos, com o objetivo de devastar a vida pessoal e profissional da formiga, com transmissão ao vivo pela TV Câmara.
Em meio a tudo isso a cigarra morre enquanto surfava numa praia paradisíaca. A Globo garante que a morte foi por COVID em função da falta de leitos de UTI e de apoio social por parte do governo, que falhou na compra de vacinas e desdenhou do movimento ‘fique na sua toca’. Com o apoio do MST, a casa é ocupada por uma família de aranhas traficantes, que aterroriza a vizinhança com constantes tiroteios. A oposição, por sua vez, comemora pelo menos o fato de ter contribuído para promoção da diversidade cultural no país. Plim plim!!!
Daniel Andriotti
Publicado em 19/11/21