Semeadura

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Acordei cedo nesse primeiro dia de 2023. Era uma manhã típica de janeiro, céu limpo, dia quente, com uma leve brisa. Quebrando o silêncio da alvorada, uma algazarra de pássaros me tirou da cama para dar início à nova jornada. No peito, a esperança que sempre preservo e realimento, potencializada com o cenário político brasileiro.

Aos domingos, tenho um rito antigo, diria até de bases místicas: pratico alquimia. Sim! Fico um longo tempo no meu laboratório, comumente conhecido e chamado por cozinha. É lá que eu procedo o preparo do elixir da vida, manipulando as dádivas da “mãe Terra”. Ah!… Preferencialmente, usando produtos da agroecologia. Esse é um legítimo hino de amor à vida. Até comparo a uma mãe amamentando o recém-nascido. É pura obra de Deus!

Vou relembrar um segredo! Os momentos que fico fazendo alquimia são os que mais consigo relaxar. Eu orbito num ciberespaço, onde faço retrospectivas, reflexões… ouvindo boa música. Não há seleção de estilos, de cantores, de época… Não sigo nenhuma lógica. Aparecem ao acaso, como mera geração espontânea. São, isso sim, conjunturais.

Ao iniciar o primeiro trabalho do ano, surgiu do nada, “Semeadura”, de Vitor Ramil e Carlos Moscardini: “Nós vamos semear, companheiro / No coração / Manhãs e frutos e sonhos / Pr’um dia acabar com esta escuridão / Nós vamos preparar, companheiro / Sem ilusão / Um novo tempo, em que a paz e a fartura / Brotem das mãos.” Foi arrebatador!

A poesia cantada bagunçou, por longo tempo, minhas conexões neuronais. As sinapses enlouqueceram!… Num segundo estágio, veio, na forma de flashs avassaladores, imagens do ano que passou. Não! Da década! Não!… Retroagiu a uma vida! À uma história! Foi tocante!

Num impulso, abri a porta e fui para o pátio. Aquela melodia escancarou aflições. Aos poucos, caminhando em um lento vai e vem sistêmico, fui sedimentando aquela inquietação, tomando as rédeas do momento. Percebi que tinha aflorado a angústia de ter visto o ódio se sobrepor ao amor, o preconceito promover a exclusão, o fanatismo abafar a fraternidade e a solidariedade. A treva dominou!

Pela tarde, depois de uma breve soneca, relaxado, voltei à leitura do presente de Natal dos netos: “O Circo da Noite” de Erin Morgenstern (Editora Morro Branco).

Fui direto à página guardada pelo marcador que veio junto. Tinha parado exatamente na frase “As pessoas veem o que desejam ver. E, na maioria dos casos veem o que lhes dizem que estão vendo.” Outro turbilhão desabou sobre minha cabeça: o momento crítico da história brasileira. Veio um filme que alternava imagens trágicas, preocupantes, ridículas e até hilárias. Na verdade, não consigo achar cômico o que vi nos últimos meses. Achei triste!

Confesso! Meu “ser” foi tentado a entrar nesse turbilhão, dissecando esse momento cruel da nossa nação. Mas, prevaleceu o espírito cristão, me conduzindo à reconstrução de pontes, semeando amor, solidariedade, esperança … Que a paz de Cristo volte a reinar sobre nós!

“Fechei os olhos e pedi um favor ao vento: Leve tudo o que for desnecessário. Ando cansada de bagagens pesadas… Daqui pra frente só o que couber no bolso e no coração.” (Cora Coralina) #SEJABEMVINDO2023

Túlio Carvalho

tulioaac@gmail.com

Publicado em 06/01/23

Comentários 1

  1. JOAQUIM PEDRO MELLO NETO says:

    Que bonito Túlio! Levar só o que cabe no bolso do coração. Esta querida Cora C.

    Também me fizeste né lembrar de uma passarem, onde um menino é apresentado ao mar pela primeira vez, e extasiado, pede: Pai, me ajuda a ver!

    Que o otimismo prevaleça! Abraço!

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