A recente catástrofe climática histórica, que afetou de forma grave muitos municípios gaúchos, entra numa fase de reconstrução.
A Gazeta Centro-Sul apresenta uma avaliação exclusiva do prefeito de Guaíba, Marcelo Maranata, sobre o trabalho realizado pelo poder público no Município, um dos mais atingidos pela grande cheia de maio.
A Gazeta questionou o chefe do Executivo Municipal sobre o enfrentamento da catástrofe; a sua atuação; organização e preparo da Defesa Civil; a respeito de casos polêmicos, envolvendo as inundações no Bairro Santa Rita e no Loteamento do Engenho; os planos para o futuro e os impactos econômicos em Guaíba. Confira.
Gazeta – Qual a sua avaliação geral sobre o que aconteceu, tanto em relação a questão climática (causas e consequências) quanto ao enfrentamento da crise?
Prefeito – O desastre climático que acometeu Guaíba e centenas de cidades no RS foi sem precedentes e com seus efeitos desconhecidos até o desfecho em maio de 2024. O volume de chuva que aconteceu no RS naquele período do final de abril e início de maio foi extraordinariamente alto e jamais visto, superando 1.000mm de chuva em apenas 4 dias, o que representa mais da metade da quantidade de chuva em um ano inteiro.
A inundação vinda do Rio Jacuí era algo inimaginável e sem precedentes, até que, saindo cerca de 15 km de seu leito normal, inesperadamente nos atingiu pelas costas. Foi uma situação totalmente desconhecida e uma coisa que era improvável, até aquele momento.
No enfrentamento, a união de esforços foi fundamental para a rápida resposta, tanto na atuação de salvamento, com os centenas de civis voluntários, barqueiros, Bombeiros civis e militares, Forças de Segurança do Estado, Forças Armadas e efetivos de outras localidades, além de igrejas e empresas, como também no planejamento estratégico para o enfrentamento, quando instituímos o Serviço de Controle de Incidentes (SCI), coordenado inicialmente pelo BOPE e depois pela própria Prefeitura, com a importante participação da Polícia Civil, Bombeiros, Brigada Militar, Marinha do Brasil, Exército, Ministério Público, CEEE e CORSAN.
Essa rápida e organizada atuação em resposta ao desastre, inclusive, foi considerada como exemplar e como “case”, na visão do BOPE e na fala dos promotores do Ministério Público e do Ministro Augusto Nardes do TCU.
Gazeta – Qual a estratégia adotada pelo Governo Municipal para enfrentar a crise?
Prefeito – Começamos a sentir os efeitos das chuvas a partir do dia 29 de abril e desde lá estamos movimentando toda a força da Prefeitura no enfrentamento à calamidade. Desde os primeiros dias das chuvas, imediatamente, iniciamos com os abrigos para o acolhimento da população que já estava sendo desabrigada pelos alagamentos causados pelas chuvas torrenciais e pela elevação do nível do Guaíba, especialmente as comunidades da São Jorge, do IPE e de Eldorado Sul. Alguns dias depois, a partir de 4 de maio, a demanda foi intensamente aumentada com o desastre no Bairro Santa Rita/Cohab.
Chegamos a ter mais de 13 mil pessoas atendidas em 74 abrigos, e cerca de 700 animais sob a nossa guarda. Iniciamos com o recebimento de doações e a entrega de mantimentos e roupas na sede da Prefeitura e poucos dias depois, inauguramos o Centro de Acolhimento Humanitário (CAH) e posteriormente, mais um CAH no Bairro Santa Rita, além de uma lavanderia solidária na mesma localidade.
Um ponto bem relevante adotado no Município foi a instituição do Serviço de Controle de Incidentes (SCI), que foi determinante para a organização e o planejamento das ações, bem como a formação de uma equipe interdisciplinar com a presença de diferentes setores da Prefeitura, incluindo a Procuradoria-Geral, a Secretaria de Licitações e o departamento técnico das Secretarias de Planejamento e de Infraestrutura, para a confecção e reunião dos projetos, a captação de recursos para a assistência social às comunidades atingidas e as obras de reestabelecimento e de reconstrução.
Ainda estamos atuando incansavelmente no enfrentamento e com todo o nosso esforço focado na captação dos recursos necessários para o restabelecimento da rotina das comunidades afetadas, dos serviços públicos e das estruturas afetadas e nas obras de reconstrução das estruturas danificadas.
Gazeta – O que levou o prefeito a estar 100% na linha de frente?
Prefeito – Nesse momento, também é hora de ser exemplo, de cativar as pessoas a demonstrarem o seu melhor lado. Ao longo da minha trajetória pessoal, participei de grupos de voluntários, desbravadores, tive treinamento para situações adversas, e jamais deixaria de me dedicar integralmente, como ainda continuo, primeiramente para salvar vidas, e depois na tarefa de devolver a dignidade às pessoas e fazer com que Guaíba seja uma cidade ainda mais bonita e próspera após passar por essa tragédia.
Gazeta – Como a Defesa Civil está organizada no Município? Está preparada, com pessoal treinado, e devidamente equipada?
Prefeito – A Defesa Civil do Município vem se estruturando ao longo da gestão. Desastres naturais têm sido mais recorrentes nos últimos anos, o que demanda formação, capacitação da equipe e o seu aparelhamento.
No atual momento, através de decreto municipal, a Procuradoria-Geral do Município assumiu a Coordenação Executiva da Defesa Civil e conta ainda com uma composição que compreende a Coordenação de Operações, a Coordenação de Gestão de Recursos e a Coordenação de Gabinete de Crise. Atualmente, estamos em permanente contato e alinhamento com as Coordenadorias da Defesa Civil do Estado e da Defesa Civil Nacional. Nossos agentes estão atuando em plantão 24 horas, atuando em rondas, atendimentos e monitoramento constante, podendo ser acionada pelo fone 199 ou pelo e-mail defesacivil@guaiba.rs.gov.br e conta com membros com treinamento como bombeiros civis, socorristas, um engenheiro de segurança. Os treinamentos e capacitações já estão sendo alinhados para toda a equipe, que foi designada por decreto municipal.
Casos Polêmicos: inundações no Engenho e Santa Rita
Gazeta – Fale sobre a obra em canal próximo a BR-116, que supostamente provocou inundação no Loteamento do Engenho.
Prefeito – Há uma grande confusão formada sobre este assunto. Uns fomentam esta confusão com a clara intenção de gerar desgastes à minha imagem por questões enrustidas de mero caráter eleitoral e outros por não conhecerem e por não entenderem como funciona o sistema de drenagem daquela área. Porém é de fácil explicação e de fácil entendimento.
Historicamente, a Avenida Ivo Lessa e parte da Chácara das Paineiras e do Parque 35, sempre que havia uma chuva um pouco mais volumosa, acabava alagando e isto em função do volume de água que é conduzido do Jardim dos Lagos e da região da Columbia City e Bom Fim para escoamento dessas águas até o Guaíba, pelo canal de drenagem que costeia a Avenida Ivo Lessa do início ao fim.
Para controlar a situação dos alagamentos crônicos da Avenida Ivo Lessa, a Engenharia da Secretaria de Infraestrutura realizou um desvio do fluxo das águas para dentro de uma área de 20 hectares, de nível mais baixo, localizada nos fundos do Loteamento Guaíba Park, que serviu como uma bacia de contenção e que depois de a água atingir certo nível, retorna lenta e controladamente para o canal de drenagem, escoando até o Lago Guaíba. Esta manobra, inclusive, tem respaldo em um estudo técnico feito em momento anterior, que indica como alternativa de resolução dos alagamentos na Ivo Lessa e em partes da Chácara das Paineiras e do Parque 35, a utilização de bacias de contenção naquele mesmo local.
É muito importante, também, entender que naquela área correm em paralelo o Canal da Celupa e o Canal de Drenagem na lateral da Avenida Ivo Lessa. O Canal da Celupa faz a captação de água do Guaíba para as lavouras de arroz, localizadas acima da BR-116, e o canal de drenagem, na lateral da Avenida Ivo Lessa, serve para o escoamento da água de chuvas até o Guaíba.
Saliento que não há comunicação entre os dois recursos hídricos e que a água que entrou no Loteamento do Engenho não é a mesma que foi contida na bacia de contenção. Até porque a água daquela bacia de contenção, que eventualmente invadia a Avenida Ivo Lessa, obviamente não teria a capacidade, nem de longe, de causar os estragos da forma violenta com a qual aconteceu no Engenho.
A água que em 2 de maio começou entrar no Engenho veio do extravasamento causado na Represa do Quexé, que desceu pelo Canal da Celupa e, pelo alto volume de água, acabou por romper a taipa atrás da empresa Celupa/Melita, indo pela Estrada dos Colonos, devido ao declive de nível, até a Estrada Ismael de Chaves Barcelos, encontrando caminho pela Avenida Vitor Scalco, também pela gravidade, por dentro do bairro e em direção ao Lago Guaíba, que por sua vez também estava com seu nível extremamente elevado.
Gazeta – Comente sobre a mensagem do prefeito, em vídeo, de que não haveria inundação no Bairro Santa Rita/Cohab poucas horas antes da inundação.
Prefeito – Tenho dedicado todos os meus dias e noites na gestão da cidade, podem por em dúvida muitas coisas, menos a minha disposição em trabalhar em prol de uma Guaíba melhor. Quem me conhece sabe que jamais iria fazer qualquer ação para prejudicar as pessoas!
Tenho aguentado a oposição fazer politicagem com aquele vídeo. Querem se promover em cima da tragédia com colocações maldosas e oportunistas. Eu, nesse tempo, tenho buscado informações técnicas para também entender o que aconteceu, pois ninguém, seja de institutos de meteorologia, universidades ou Defesa Civil do Estado, enfim, ninguém antes daquele dia avisou Guaíba que nós iríamos ser atingidos pelo Rio Jacuí, ainda mais da forma como aconteceu.
Hoje, ainda estamos reunindo informações técnicas para que possamos entender o ocorrido com clareza e também possamos projetar e implementar soluções para que isso não aconteça nunca mais. A população quer explicações e soluções, e eu também.
Estávamos todos com os olhares voltados para o Lago Guaíba, e ninguém esperava que tivéssemos o rompimento de uma barragem que se quer fica dentro do território de nossa cidade, ou que as águas que extravasaram o Rio Jacuí percorressem cerca de 15km de seu leito. As águas passaram por várias outras cidades, percorreram centenas de quilômetros antes de chegar em Guaíba e, por isso, eu entendo que este monitoramento deve ser realizado pelo Estado.
Plano para garantir maior segurança no futuro
Gazeta – Quais os planos e medidas, em estudo, para reduzir impactos ambientais, sociais e econômicos em possíveis eventos climáticos semelhantes?
Prefeito – Através da composição da estrutura de apoio atual da Defesa Civil Municipal, possuímos técnicos da Secretaria de Planejamento e Gestão Territorial e Meio Ambiente atuando em conjunto com as demais áreas, a saber, Procuradoria-Geral do Município, Gabinete do Prefeito e da vice-prefeita, Secretaria de Assistência Social, Secretaria de Infraestrutura, Secretaria da Saúde, Secretaria da Fazenda e Secretaria de Licitações e Contratos. Estamos revisando todos os protocolos, as questões de micro e macro drenagem, estudos hidrográficos, mapeamento atualizado de áreas de risco visando a atualização tanto do plano de contingência quanto dos planos de ações e das políticas públicas envolvidas para ações preventivas e de reestabelecimento que possam ser efetivas.
Além disso, é necessário pensar um conjunto de ações regionalizadas. Eu, como prefeito de Guaíba e presidente da Granpal, tenho buscado articular junto aos prefeitos da Região, Governo do Estado, Governo Federal e órgãos de controle, fóruns de debate de medidas urgentes e a médio e longo prazo.
Para já, precisamos de uma batimetria do Lago Guaíba, e tenho defendido que seja feita a dragagem do canal ao menos para a cota de 7m, que não ocorre desde a década 70, já que hoje se estima que o canal do Lago esteja em metade ou menos dessa cota, o que faz com que qualquer mudança do vento ou volume de chuva já permita que o Lago extravase para regiões urbanas.
Gazeta – Quais os impactos econômicos no Município com esta catástrofe climática histórica (arrecadação e contas públicas)?
Prefeito – No atual cenário, caso não haja nenhuma medida de recomposição pela União, há uma estimativa de um déficit de cerca de R$ 60 milhões na projeção da arrecadação de 2024 do Município. O Estado e a Famurs falam que só de ICMS deve ocorrer uma queda de 25% nesse ano.
No que tange às receitas próprias, nos meses de maio e junho, no comparativo a 2023, o município arrecadou quase R$ 10 milhões a menos. Por outro lado, os gastos na crise se intensificam, pois há importante e necessário incremento em serviços públicos, sobretudo no âmbito social e de infraestrutura, o que impactou, por exemplo, um investimento de mais de R$ 6 milhões somente no mês de junho, comparado aos meses anteriores do ano.
Quanto a projeção de futuro, a catástrofe climática deve interferir muito na capacidade de arrecadação dos municípios. Em recursos estaduais, por exemplo, onde a indústria e o comércio de regiões muito afetadas terão sua produção modificada e diminuída de forma drástica não só nesse ano, o repasse aos municípios proporcionalmente também irá baixar de maneira importante.
Considerações Finais
Um acontecimento com a magnitude da que sofremos no mês de maio, se mostra acima das possibilidades de ação de qualquer poder público, em qualquer uma das esferas, mas também mostra que a soma de esforços e o espírito de solidariedade, de empatia e de voluntariado, de se doar em uma expressão de amor ao próximo é capaz de nos fazer suficientemente fortes para juntos, como uma única força, enfrentarmos até uma situação extrema como a que estamos vivendo.
Acredito muito que vamos nos reconstruir e dar a volta por cima e, se aprendemos bem uma lição, com o espírito de união, colaboração, força, perseverança e determinação será mais fácil solucionarmos todos os problemas que precisamos enfrentar e resolver.
Foto: Divulgação
Publicado em 5/7/24