Nunca gostei muito de Umberto Eco, italiano e um dos maiores teóricos da comunicação de todos os tempos. Lá pela metade dos anos 80 tive que ler muitos dos seus textos para a disciplina de Semiótica na graduação de Comunicação Social da Unisinos. Na verdade, odiava seus livros e artigos porque era preciso ler duas, três, cinco vezes cada parágrafo para ‘tentar’ entender o que ele estava querendo dizer.
Muita gente ‘só ouviu falar’ de Umberto Eco por causa do romance – que acabou virando filme – chamado “O Nome da Rosa”. E mesmo assim, o filme é mais lembrado pela interpretação do ator Sean Connery do que pelo enredo. E até nesse caso é preciso – e eu recomendo – assistir duas ou três vezes o filme para que se perceba alguns detalhes nas entrelinhas. Mas entre tantas outras, minha leitura predileta dele é “O Cemitério de Praga (2010)”. Trata-se de um livro que mostra um pouco da sociedade europeia da segunda metade do século XIX (especialmente França, Itália, Alemanha) e do preconceito contra judeus e maçons.
Umberto Eco morreu em 2016. Mas é dele a frase: “Por ser uma terra sem lei, a internet deu voz aos idiotas”. E então, quase 40 anos depois, tive que valorizar e me render às suas teses. Especialmente essa. Hoje, pratico autopunição com chicotadas que eu mesmo dou nas minhas costas. Mas assim como a frase sobre a internet, me rendo a Umberto Eco porque ele faz graça provocando as pessoas com coisas sérias. E essa é uma das piores síndromes desse século XXI: a da intolerância com o contraditório. Ninguém é obrigado a concordar com nada, sendo direito individual de cada um acreditar e achar o que bem entender. Mas isso não é uma autorização para falar o que quiser. Vivemos um período de crescimento da hostilidade e total desrespeito à opinião alheia pelo simples fato de que ela é diferente da minha, da sua, da nossa, da vossa.
A internet, como diria Umberto Eco, não deu voz a todos os idiotas, mas àquela maioria que se transforma num monstro quando alguém manifesta um pensamento contraditório ao seu. E muitas pessoas, ao invés de demonstrar o seu inconformismo com o que está escrito passam a ofender diretamente quem escreve. Mesmo sem sequer conhecê-lo. E como se não bastasse, trata-o como um inimigo repugnante.
No caso da ‘polarização da sociedade’, esse fenômeno contemporâneo de rivalidade perversa, existe o ‘efeito manada’, que é o caso em que as diferenças de opiniões resultam em grandes embates de opiniões, canalizando para a violência verbal (só não vira violência física porque os ‘antagonistas’ estão distantes e muitas vezes nem se conhecem). Mas esse inimigo chamado polarização nem é tão invisível assim e, vira e mexe, está sempre ao nosso lado: Inter e Grêmio; esquerda e direita; Lula e Bolsonaro; capitalismo e socialismo, pretos e brancos; homossexuais e héteros… e por aí vai um infinito de rivalidades absurdas. Outro exemplo clássico: se sou a favor da cadeia para menores infratores é porque sou um insensível e só digo isso porque não tenho filhos com menos de 18 anos, porque sou de extrema-direita e defendo a pena de morte. É assim e ponto. Não tem diálogo… é rotulação pura.
Por isso, a internet é perigosa para o ignorante e útil para o sábio. Nós, brasileiros, possuímos diferentes níveis culturais, mas iguais direitos de opinião. E o grande gargalo da internet é que ela não pondera o conhecimento e por vezes congestiona a memória do usuário. Somente com esse filtro surgirá uma sociedade melhor; diferente da disputa para saber quem está com a razão. Quanto mais a gente acompanha as mídias sociais, mais assustado fica diante da enxurrada de desinformação, de falas e imagens agressivas que tornam cada vez mais difícil a sobrevivência da ‘tal’ democracia.
Daniel Andriotti
Publicado em 14/6/24