Mudanças acontecem, sabemos muito bem disso. Somos a própria materialidade desta afirmação desde o nascimento, é da nossa natureza a constante transformação física e intelectual através do tempo. É o que nos dá a certeza de pertencermos à família planetária dos humanos.
Contudo, apesar de estarmos cientes de toda essa verdade sobre as mudanças na nossa espécie, nem sempre nos damos conta da velocidade em que acontecem. Principalmente quando, além das nossas vidas, a dinâmica social se transforma a cada estalar de dedos, colocando-nos uma legítima titularidade de cidadãos do tempo. Como aconteceu comigo e a história do telefone lá de casa.
Eu era criança pequena, brincando de bonecas e de casinha, e via minha mãe telefonar para parentes e gente amiga de outra cidade. O aparelho ficava na parede do corredor entre a cozinha e a sala. Tinha uma parte móvel, presa por um fio, para colocar no ouvido, e outra para falar, que ficava colada na caixa que chamavam de telefone. Não havia números, mas uma manivela. A mãe tirava a parte móvel do gancho, rodava a manivela e era atendida pela telefonista da cidade. Dizia com quem queria falar, em qual localidade e qual era o número, agradecia, desligava o aparelho e voltava para suas atividades caseiras. Depois de um tempo, que eu não sabia avaliar na época, mas soube, depois de adulta, que poderia variar entre alguns minutos e várias horas, a moça da central telefônica ligava para a nossa casa, a mãe atendia e ela anunciava quem estava na linha para falar. Acredite quem quiser, as telefonistas escutavam todas as conversas, se quisessem, fazia parte do trabalho delas.
Criança mais crescida, mas ainda criança, vi minha mãe fazer uma ligação direta, sem pedir para a telefonista, discando cada algarismo, esperando que voltasse ao seu lugar para discar o outro. Mas o telefone era alugado, não existia linha disponível, sem falar no preço exorbitante.
Antes de chegar à maioridade, já no primeiro e tão sonhado emprego, decidi comprar um telefone para nós. Mesmo sabendo que poderia levar muito tempo para ser instalado e que o carnê com 36 parcelas me acompanharia por três anos, com a ousadia própria da juventude, assumi o compromisso. Dois anos depois, estávamos com telefone próprio, e eu já podia ligar para casa do orelhão instalado no bar da faculdade para avisar sobre possível atraso ou outro assunto importante.
Alguns anos se passaram, eu já era casada e mãe de uma menina, quando, de repente, meu marido chegou do trabalho com o que parecia um tijolo preto na cintura. E anunciou que tínhamos comprado um celular, o novíssimo meio de comunicação da época. Fiquei radiante, mas preocupada, quando ele decretou que, em breve, teríamos um computador em casa. Eu perguntei o que faríamos com um computador em casa, e a resposta veio na forma de um “ainda não sei”, mas em breve usaremos muito.
Mudanças acontecem, sabemos muito bem disso. É pelo fato de ter sido testemunha de tantas e tão rápidas transformações que me sinto assim, uma legítima cidadã do tempo. Que o diga a história dos telefones da minha casa.
Cristina André
cristina.andre.gazeta@gmail.com
Publicado em 15/7/22