Os Filhos da Mãe

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Enjoo, azia, formas arredondadas no corpo, desejo por comer coisas estranhas no meio da madrugada…

Quando o ultrassom emite o sinal do coraçãozinho batendo, não tem mais jeito. Está estabelecido o primeiro vínculo de uma relação complexa, profunda e sem fim. De acordo com o dicionário Aurélio, ‘mãe é quem dá à luz um ou mais filhos’. Para algumas mulheres essa definição poderia terminar por aí mesmo. Muitas, aliás. Mas o significado fatal vem depois do ponto-e-vírgula; ‘é aquela que amamenta e os cria’. Aurélio, é claro, sabia que tentar explicar o que é ser mãe iria muito além disso. E assim, parou por aí pela convicção de que precisaria de uma enciclopédia volumosa para descrever tudo o que aquilo poderia representar.

Mãe é aquilo que a propaganda de margarina ou de fraldas descartáveis não mostra. Uma rotina pesada que não permite covardias. É a rara felicidade ao ver que naquele pequeno corpo frágil o termômetro marcou abaixo de 37 graus. É um olho que cochila enquanto o outro observa o berço. A mãe está nas entrelinhas do álbum de família. Mãe de um, de dois, de três, mães-solo. Não adianta: elas têm o dom da criação. É como se tivessem um ou mais corações batendo fora do peito.

Sendo apenas filho, acredito que ser mãe dói. Mas a medida da dor é a medida do poder. Uma batalha de ações e emoções. E penso que não deve existir receita para que uma mulher seja uma boa mãe até porque somente Maria foi modelo de mãe por excelência. Mas ainda tem uns filhos da mãe que sonham com uma ‘mãe ideal’. O que existe é a mãe possível pelo simples fato de que filho também não vem com manual de instruções. É como impressão digital: nem filhos, nem mães são iguais. Mas posso afirmar que ser mãe é bem mais do que aprender e ensinar sobre amor incondicional aos filhos. Algo como compreender, sem julgar.

Existe pai que é mãe. Existe irmã que é mãe. Existem tias e madrinhas que são mães de filhos que não são seus. Mas e a avó, que é mãe da mãe? Enquanto os olhos do mundo estão no filho que acaba de nascer, a mãe da mãe enxerga a filha, recém-parida. A mãe da mãe sofre em silêncio, mas feliz. Toda mãe que recém se tornou mãe precisa dos cuidados de outra mulher que entenda o quanto o início do ‘exercício da maternidade’ é frágil e delicado. Em todos os sentidos.

Há um poema do grande Carlos Drummond de Andrade, chamado “Para Sempre”, em que ele começa assim: “Por que Deus permite que as mães vão-se embora??? Mãe não tem limite, é tempo sem hora”… Semana passada fez três anos que minha mãe me disse um ‘até breve’ após lutar por algum tempo na tentativa de não nos deixar. Ficou um vazio, porém sem mais tristezas. Não tenho mais o calor do seu abraço e nem o seu apoio nas piores horas. O espaço da dor genuína e sem analgésico aos poucos vai sendo preenchido pelo da saudade. É inútil pensar em tudo o que ficou por dizer e por fazer. Agora é tarde. É muito difícil se acostumar à ideia de não ter mais a mãe por perto. É dura a sensação do ninho vazio. O que me consola é que muitas pessoas sonham com anjos. Eu vivi boa parte da minha vida ao lado de um deles. Mães são maravilhosas, mas tem um defeito: não são eternas. Ensinam tudo, menos a viver sem elas.

Por fim, ser mãe não é algo genético. É predestinação feminina. É missão da alma. Praticamente… um parto.

 

Daniel Andriotti

Publicado em 6/5/22

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