Somam quatro, os filhos do pai e da mãe. Todos tivemos, cada um a seu tempo, gloriosos dias de infância. Estudar era a grande tarefa a ser traduzida no boletim com notas azuis, nosso passaporte carimbado para que a vida, então, continuasse acontecendo nos pátios e nas calçadas, jogando botões e brincando de casinha.
Eis que, quando nos demos por conta, num piscar de olhos, já tínhamos crescido, nos tornado também pais e mães. Mas não chegamos a conhecer os avós, ficamos com as histórias contadas em família, que eu gostava muito de ouvir.
Queria sempre saber um pouco mais sobre os pais dos meus pais, como teria sido a existência daquela gente a quem estimo e reverencio mesmo sem termos desfrutado de convivência.
Os avós maternos vieram do norte da Itália, lugar de grandes lagos, vinhedos e queijos especiais. Certamente esta é a origem da paixão que sempre tive pelas massas e os molhos de tomate, a polenta preparada em panela de ferro, os risotos, os cachos de uva. Deve ter sido das vivências antigas acontecidas no país que se desenha feito bota que surgiu em mim a constante disposição de preparar quitutes que agradem a família, o prazer que sinto com todos reunidos à mesa, conversas amenas e sorrisos estampados. E a emoção que me provocam as óperas, com seus dramas e suas belas canções de amor.
Veio da França, nossa avó paterna – nos encontramos, vez por outra, quando me encanto olhando uma foto do casamento dos nossos pais, que guardo com grandioso amor. Estou convencida, por tudo que já ouvi a seu respeito, de que é herança dela o gosto pelos bons vinhos, o hábito de servir as refeições caseiras em mesas bem-postas, louças e talheres arrumados sobre toalha de tecido. A minha curiosidade gastronômica, o silêncio como providencial cuidado para não parecer intrometida, o gosto pelos xales e os lenços. E a minha predileção pelos perfumes suaves.
Casou-se, a vó francesa, com um descendente de índios, negros e portugueses, o avô paterno, primeiro brasileiro legítimo da bonita árvore das nossas vidas. Foi deste ancestral, não tenho dúvidas, que me surgiu afetuosa atenção pelo artesanato, me coube a emoção desmedida diante de luares a refletir em águas doces, uma vontade de conhecer o mundo, o hábito dos bons doces, o sorriso pronto. E uma simplicidade embrulhada em quietude que costumo carregar.
Sempre houve traços marcantes dos nossos avós em cada um dos quatro filhos do pai e da mãe, hoje entendo bem as razões disso. Especialmente depois que também tivemos netos e netas, as crianças que chegaram para transformar quatro universos familiares, melhorando o mundo todo ao seu redor, dando-nos de presente felizes reencontros com a delicadeza divina.
Fortaleza indestrutível, assim é o amor das famílias, que atravessa o tempo protegido pelos corações dos avós.
Cristina André
Publicado em 26/7/24