Em 1988 o saudoso médico e grande amigo Gilson Herdina (in memoriam) com quem eu conversava muito a respeito de tudo, especialmente sobre música, chegou na redação do extinto jornal O Repórter – onde eu trabalhava e ele era colunista – e me presentou com um LP, o primeiro da carreira de um cara chamado Ed Motta. E me disse: “escuta esse disco e depois falamos…”. O único ‘spoiler’ que ele me deu é que se tratava de um sobrinho do Tim Maia.
Fui para casa e ouvi atentamente todas as músicas várias vezes. E fiquei muito impressionado com a qualidade dos arranjos (a banda que gravou esse álbum com ele na época se chamava Conexão Japeri) com muitos metais, um contrabaixo forte e um mix de ritmos que iam do jazz ao samba, passando por soul, blues, funk, bossa nova, reggae, pop, rock, salsa… tudo isso ‘junto e reunido’ lembrando muito ‘a pegada da música negra norte-americana’. A partir dali passei a ‘consumir’ o trabalho de Ed Motta.
Mês passado o sobrinho do Tim Maia teve um surto – já havia tido outros parecidos num passado recente falando mal de alguns dos seus colegas de profissão, como Caetano Veloso e Paula Toller, por exemplo. Dessa vez, com uma taça de vinho na mão, Ed Motta gravou uma live de sete horas (pelo amor de Deus, quem assiste a uma live de sete horas?!?!?!) no seu canal no YouTube declarando guerra aos fãs de Raul Seixas. No vídeo metralhou o caráter e o talento do Maluco Beleza, morto em 1989, classificando-o como “ruim musicalmente, idiota, desqualificado de tudo e funcionariozinho de uma gravadora”. E mais: disse que a única coisa que prestava nas suas músicas eram as letras, escritas por Paulo Coelho. Pronto. Ligou o ventilador…
No dia seguinte, ainda de ressaca, se deu conta do tamanho da encrenca em que tinha se metido. Mas era tarde… nessas horas infelizmente a vida não tem “CTRL + Z”. As várias garrafas do cabernet sauvignon já haviam sido derramadas sobre o tapete. E veio 16 toneladas de arrependimento por ter comprado uma briga sem precedentes com uma legião de fãs da pesada. Gente de uma geração que nunca quis guerra com ninguém, a não ser com quem falasse mal de Raul Seixas. E veio o choro em ritmo de um pedido de desculpas: “Eu fiquei muito decepcionado comigo, não com as minhas opiniões em si a cerca de como funciona o mercado de música. Eu estou dentro desse mercado. Peço perdão pela forma agressiva e grosseira que falei do Raul Seixas. Eu posso ter uma opinião sobre ele, posso ter uma crítica sobre o fato de ele ter sido produtor de discos. Eu tenho críticas a quem é produtor de discos, eu tenho esse direito. O motivo (de pedir perdão) não é porque os fãs gritaram… O motivo aqui é vergonha, é tristeza”. E se auto caracterizou como um ‘estúpido’. Não adiantou muito, mas…
O castigo virá. Pelos próximos 350 anos, cada vez que sair às ruas Ed Motta vai ouvir alguém gritando “toca Raul!!!”. E terá que engolir o choro. Talvez aquele vinho estivesse ‘batizado’. Mas quem deve mesmo estar rindo disso tudo, nesse momento em algum lugar é o Tim Maia, tio do moço; o Gilson Herdina e ele, claro, o próprio, Maluco Beleza, dizendo assim: “Enquanto você se esforça pra ser / um sujeito normal…”
Daniel Andriotti
Publicado em 18/3/22