Torcer e secar faz parte de um mesmo jogo. Por isso, os dias têm sido cruéis e traiçoeiros para quem torce para o imortal tricolor. O torcedor gremista conta os minutos para que 2024 acabe logo. Mas antes que isso aconteça, o que já está extremamente doloroso ainda pode piorar. É difícil, mas pode…
Em terra de chimangos e maragatos, azuis e vermelhos, onde tudo é polarizado, a rivalidade dá o tom da vida: o sucesso de um fez a grandeza do outro. Não imagino que possa ter passado por alguma cabeça ingênua que essa lógica pudesse ser inversa. Mesmo que lá no fundo do interior do cérebro, onde há uma gavetinha chamada desconfiança, nem o mais cético colorado acreditaria que um treinador formado nas categorias de base do Grêmio, Campeão da América e vice-campeão mundial com a camiseta do imortal tricolor, fosse assumir o comando técnico do inimigo, ficar a frente de um grupo de jogadores esgualepados pelas teses derrotistas do ex-treinador, e transformá-lo numa fênix, a ave que segundo a mitologia grega, renasceu das cinzas.
Roger Machado, identificado como o eterno lateral esquerdo daquele impressionante time do Felipão, está a 16 jogos no comando do Inter e ainda não sabe o que é perder. Venceu 10 e empatou seis. Assumiu em julho com o time em 13º lugar na tabela do Brasileirão, condição que lhe colocava como candidato ao rebaixamento. Quatro meses depois, o colorado está em terceiro lugar, alimentando uma remotíssima – quase impossível – chance de ser campeão; e com a assegurada vaga direta à Libertadores do ano que vem.
O Grêmio – por sua vez – paga um preço alto pela adoração extrema a um dos seus ídolos. Renato tornou-se uma espécie de Hitler ao combalido exército tricolor, com direito a estátua no pátio e tudo. Todos o temem. Do presidente ao mais humilde funcionário que cuida da grama do CT. A imprensa, então, nem se fala. Mesmo nos bons tempos, a crônica esportiva tratava Renato como um semi-deus. E nem assim ele poupava os repórteres. Hoje, os gremistas não suportam mais o Renato e o Renato não suporta mais trabalhar no Grêmio. E a conta chegou: agonia para fugir de um novo rebaixamento.
O que me preocupa enquanto cidadão que tenta conviver civilizadamente – e isso serve para torcedores de Inter, de Grêmio, de Corinthians, de Palmeiras, de Flamengo, de Boca, de River… – é a pequenez que envolve a supervalorização da desgraça alheia que na maioria das vezes extrapola o limite do tolerável. Adversários não podem ser inimigos – embora seja assim que a história retrate. Mas quando a arrogância da rivalidade atropela o reconhecimento daqueles que sabem perder é porque caminhamos a passos largos rumo ao caos, à violência, à selvageria… do corpo e da alma.
O sentimento das exaustivas e ruidosas comemorações – que no modo civilizado pode-se chamar de flauta – se refere a 2% de euforia e orgulho pelas vitórias; e 98% endereçados à desgraça do adversário, com requintes de humilhação, de desconstrução da imagem, dos seus méritos, da sua história e da sua consequente redução a pó. Infelizmente assim caminha a humanidade. Seja vestindo preto, branco, verde, vermelho ou azul.
Daniel Andriotti
Publicado em 29/11/24