O que realmente importa hoje

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Hora do recreio, saíamos para o cafezinho e os bons debates filosóficos no bar da faculdade. Eram momentos importantes, aqueles, de confronto de ideias e aprendizado com as diferentes opiniões. Os temas surgiam naturalmente, de acordo com o que mais importava naquele momento: música, literatura, futebol, política, conflitos internacionais. Independente daquilo que pensássemos e colocássemos à mesa, na forma de falas entusiasmadas, sabíamos que todos respeitariam e ouviriam. Até porque era preciso conhecer para concordar ou discordar com argumentação inteligente.

Mas esse estilo de conversa presencial entre pessoas que pensam diferente ficou naqueles tempos da velha e boa filosofia estudantil. Agora, o que realmente importa é todos concordarem, sem discutir, com as nossas narrativas.

A grande questão que tem conectado gente nesses viveres modernos via redes sociais, nas conversas casuais em festas e viagens, não se dá antes de todos os interessados terem conhecimento das preferências dos demais. Vivemos em tempos de amizades alicerçadas em algoritmos, escolhidas por inteligência artificial a partir das nossas opiniões e o desinteresse escancarado de nos reunirmos se não for apenas para balançar as cabeças na vertical, concordando com tudo.

Preocupação em comum, nestes novos dias de segregação, são as escolhas das outras pessoas, saber se compactuam em tudo conosco, da separação de um casal de artistas até o delicado confronto de potências armamentistas.

Importante, hoje, antes de trocar ideias com as pessoas, é verificar se elas estão do lado que escolhemos para torcer. De um lado, o pessoal do Bolsonaro; do outro, os do Lula. E ponto final, porque não há espaços alternativos.

Aquelas boas conversas entre quem pensava diferente, que pena, estão praticamente em extinção, levando junto os proveitosos debates, com seus confrontos de ideias bem argumentados, com os quais tanto se aprendia, sobretudo sobre a própria arte de filosofar.

Eis que vivemos estranhos tempos de libertar o ditador que se escondia em cada um, esta é a nova e equivocada ideia de democracia que se espalha. Nas conversas de trabalho, nas mensagens de celular, nos encontros de família, a segregação está na moda, de forma ampla, geral e irrestrita.

A questão definitiva, agora, é dialogar única e exclusivamente com gente que concorda em tudo, o tempo todo, sem se dar o trabalho de ouvir o contraditório. O que certamente irá evoluir para o acirramento do tédio e da agressividade.

O que realmente importa, hoje, é saber quem votou no “Bolsonaro” e quem votou no “Lula”. Entre outras informações vitais, como o nome do filho do sambista famoso e a plástica da diva do pop internacional.

Cristina André

cristina.andre.gazeta@gmail.com

Publicado em 10/2/23

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