Fizemos uma bela viagem, em março, contornando a Laguna dos Patos, eu e meu marido, que resultou em publicações na contracapa deste jornal. O registro e a divulgação do patrimônio natural desta Região foi o principal objetivo, para mostrar que há muito o que conhecer nestes nossos pagos sulistas. Mas a nossa jornada, ultrapassando os limites de seu objetivo primeiro, contou com extraordinárias surpresas históricas e culturais.
Fiquei encantada com a visita ao Museu do Doce, da Universidade Federal de Pelotas. Estudiosa e apreciadora da Gastronomia como importante fator cultural de um povo, nos lugares que visito mundo afora procuro saber mais sobre o assunto. Acredito que o tipo de alimentação traduz, com maestria, muitos detalhes marcantes da cultura das comunidades. E a história da espetacular doçaria pelotense, que tive acesso no Museu do Doce, foi mais uma comprovação desta minha crença.
As esposas dos produtores de charque eram donas de casa e sabiam preparar doces magníficos para suas famílias. Muitas delas, de origem europeia, como as portuguesas, inspiravam-se nas receitas do Velho Mundo e aproveitavam a abundância de açúcar, que era moeda de outras regiões do Brasil para a compra do produto que seus maridos vendiam.
Quando o comércio do charque entrou em crise, aquelas mulheres se reuniram e tiveram a ideia de aproveitar a enorme quantidade de açúcar estocado nas suas propriedades para gerar renda que ao menos mantivesse a casa. Então, começaram a preparar doces e comercializá-los para eventos. Deu muito certo.
O que aconteceu em Pelotas, por necessidade e iniciativa de esposas de fazendeiros, se deu também com as mulheres negras da Bahia que tinham sido escravas e ficaram livres. Acostumadas a aproveitarem as sobras de feijão e farinha, criaram o acarajé, que hoje é riqueza turística e cultural.
Fiquei encantada com a visita ao Museu do Doce, da Universidade Federal de Pelotas, na bela viagem que fizemos, eu e meu marido, contornando a Laguna dos Patos. Estudiosa e apreciadora da Gastronomia como importante fator cultural de um povo, tive mais uma prova desta minha crença.
Em uma das salas do Museu, gostei muito de ler uma frase em destaque, na história da literatura de Arte Culinária no Mundo e no Brasil, cuja primeira publicação sobre doces aconteceu em 1895. A frase é de Antonin Carême (1783-1833), um dos criadores da moderna cozinha francesa e europeia:
“Quando nós já não temos boa cozinha, não teremos literatura, nem alta e aguda inteligência, nem encontro amigável, nem harmonia social”.
Cristina André
cristina.andre.gazeta@gmail.com
Publicado em 27/5/22
A equipe do Museu do Doce fica feliz com o seu relato, Cristina!