Julho de 94. O Brasil ainda chorava a morte de Ayrton Senna, ocorrida dois meses antes. Inverno dos brabos, tal qual vivemos agora, 30 anos depois. Copa do Mundo dos EUA rolando. Era uma sexta-feira véspera de Brasil e Holanda pelas quartas de final. Copa aliás que, dias depois, ouviríamos Galvão Bueno gritar: “É tetra… é tetra… é tetra”, abraçado em Pelé e Arnaldo Cesar Coelho. Pois foi nessa sexta-feira gelada que Porto Alegre registrou um dos momentos mais tensos da sua história: iniciava no final da tarde, no hospital penitenciário do Presídio Central, o maior motim da história do sistema prisional gaúcho. Detentos fizeram funcionários de reféns e exigiram carros para a fuga e a liberdade de alguns dos principais líderes da primeira facção criminosa do Rio Grande do Sul: a falange gaúcha. Entre eles, o assaltante Dilonei Melara e Celestino Linn, conhecidos por vários crimes mas, em especial, ataques a carros-fortes. Ambos estavam trancafiados na PASC, em Charqueadas.
Dali em diante foi um verdadeiro filme de terror pelas 48 horas que se seguiram. Fugas, perseguições e tiroteios pelas ruas. Reféns e policiais feridos, alguns bandidos presos, outros mortos; e a invasão cinematográfica do hotel Plaza São Rafael, por três criminosos armados e a bordo de um táxi.
Mas é sobre liderança do crime organizado que eu queria falar. Melara – o mais famoso deles até então – matou, roubou, liderou motins, extorquiu, até que, um dia, acabou preso. Fugiu; foi preso novamente e fugiu mais uma vez, até ser morto em 2005 no interior de Dois Irmãos, aos 46 anos, com vários tiros no rosto (marca registrada da vingança), provavelmente provocada por antigos comparsas. No mundo-cão é assim: perdeu o protagonismo, o CPF é cancelado.
O desmembramento da Falange Gaúcha fez Melara fundar a facção “Os Manos”, existente e atuante até hoje. Mas foi a partir da sua morte que se estabeleceu uma nova realidade entre presos ligados a facções nos presídios do Rio Grande do Sul, em especial no maior deles, o Central. Cada líder, também chamado de ‘prefeito’, comanda a sua galeria. As chamadas ‘negociações’ com a administração são feitas pelos ‘plantões’. Com as facções dominando parte dos presídios, o crime passou a ter lucro, uma vez que quase tudo, agora, é cobrado. Inclusive comida, telefone e segurança; além, é lógico, de drogas. Assim, os grupos viraram empreendedores e passaram a atuar como empresas. As cadeias passaram a exercer, de dentro para fora, o controle de algumas áreas da cidade, remetendo dinheiro para a rua com objetivo de financiar o crime organizado, principalmente alimentado por armas e drogas. E aí, se foi o controle que a segurança pública pensava que tinha.
Melara morreu jovem, mas enfim, deixou o seu legado.
* * *
Já que falei em Copa do Mundo lá no primeiro parágrafo – e esse artigo é um texto de lembranças – no último dia 8 fez 10 anos que levamos aquela sova patética da Alemanha, em casa. Com o futebol que a Seleção Brasileira apresentou na última Copa América, aqueles 7 a 1, ao que tudo indica, vão virar rotina…
Daniel Andriotti
Publicado em 12/7/24