O Dial do Rádio

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Participei de um curso de culinária natural, já faz bom tempo, no qual aprendi a preparar pães e massas com farinha integral, a utilizar arroz integral, além de diversas outras boas lições. Mas, verdade seja dita, os ensinamentos daquele curso atravessaram as saborosas e saudáveis receitas. Enquanto aprendíamos sobre legumes e verduras, interessante filosofia de vida era servida em porções sob medida para nossa degustação mental. Oferecidas pelo professor, um naturalista convicto de suas teorias sobre a verdadeira felicidade, resumidas em três verbos.

Simplificar – De acordo com o nosso inteligente instrutor, a maior parte das dificuldades que enfrentamos no dia a dia são em consequência de apego exacerbado aos objetos, geralmente causado pela nossa falta de habilidade em deixar a vida acontecer com simplicidade. Exemplificou com os breves passeios de fim de semana, em que levamos uma quantidade enorme de roupas, calçados, computadores, aparelhos de tevê. O que nos serviria para várias semanas, mas ficaremos apenas dois dias. Até uma caixinha com remédios para possíveis mal-estares que sequer existem; e vários livros que não iremos ler em tão pouco tempo. Se pudéssemos, dizia o chefe naturalista, carregaríamos a casa para onde fôssemos, e é por isso que não descansamos, não descontraímos. Simplicidade, é disso que precisamos, de um maior desapego. Este é o primeiro passo para sermos felizes.

Livrar-se – O segundo conselho do mestre foi resumido em nos livrarmos do que é desnecessário. Orientou-nos, com bastante convicção, a esvaziar roupeiros, porque, segundo a sua teoria, aqueles que têm armários abarrotados de roupas e calçados levam muito mais tempo para saber o que vestir. Costumam abrir o guarda-roupas e parar em frente, olhando, sem saber o que fazer com tudo aquilo, mesmo já sabendo que muito do que ali está nunca mais será usado. E nada funciona melhor, nestes casos, do que livrar-se daquela energia estática, ficando apenas com o que será realmente usado. Ao mesmo tempo, contribuindo com os que não têm o que vestir. O mesmo deve ser feito nos outros compartimentos da casa, como na cozinha. Para que tantos talheres e tantas louças se usamos apenas meia dúzia de tudo aquilo? Sem falar nos utensílios lascados, nas panelas sem uma das alças, e por aí afora. Livrar-se do que é inútil, este é o segundo passo, comentou o professor. O mais ousado, eu diria.

Sintonizar – E a terceira lição chegou na conclusão das aulas; para mim, o gran finale. Desta vez, enquanto a turma preparava uma nova receita, o mestre-cuca filósofo chamou a nossa atenção para a semelhança que todos nós, seres humanos, temos com o dial de um rádio, aquele risquinho que indica termos sintonizado com o que queríamos ouvir. Disse-nos que, quando alguém quer som de música clássica, precisa sintonizar na emissora que costuma tocar clássicas; se quer ritmos gauchescos, deve ficar nas rádios gaudérias; e assim por diante. E concluiu que assim ocorre conosco. Se ficarmos nos queixando da vida, falando constantemente em fatos negativos, pensando neles, estaremos sintonizados na frequência das tristezas; consecutivamente, viveremos com elas, afastando-nos das alegrias e das boas notícias. Em contrapartida, se aprendermos a pensar e falar sobre o que existe de bom, se tivermos atitudes positivas diante da vida, esquecendo os queixumes e as raivas, cultivando sorrisos e perdões, sintonizaremos nossas vidas nessa frequência, a da felicidade. Nos encontraremos com ela.

Foi assim, no curso de culinária natural que fiz há um bom tempo, que aprendi importante lição a respeito da vida. Se queremos felicidade, é na sua frequência que devemos sintonizar. Somos como o dial de um rádio.

 

Cristina André

cristina.andre.gazeta@gmail.com

Publicado em 26/8/22

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