Era um agosto típico, aquele, de temperaturas baixas e sol escondido. Nossas maiores dificuldades eram sair das cobertas quentinhas de manhã cedo e entrar no banho à noite; entre as alegrias inesquecíveis, sentar perto do fogão à lenha, esperando a sopa bem quente, e se meter embaixo das cobertas.
Os dias, naquele inverno gaudério, aconteciam como de costume, chegando com frio intenso e, lá pelo meio-dia, esquentando um pouco. No meio da tarde, o clima era mais agradável, mas o frio retornava antes do anoitecer, trazido pelo vento ou pela chuva, avisando que estava na hora de voltar para casa.
Houve um dia, porém, que aconteceu diferente. Era 24 de agosto de 1984, fazia o frio que todos conheciam, mas, depois do meio-dia, em vez de esquentar um pouquinho, a temperatura caiu ainda mais. Sem vento, no meio daquela tarde, começou o que parecia uma chuvinha fina, do tipo que encaranga quem está pelas ruas. Eu estava.
Descendo a Rua São José quase vazia, em direção ao Lago Guaíba, quando ele ainda atendia por rio, tive uma sensação de estranheza. Caía uma chuvinha que parecia seca.
Caminhando devagar, fiquei olhando para as nossas águas, procurando a Capital na outra margem sem encontrá-la, camuflada que estava atrás do que parecia uma cortina de névoa finíssima e diferente de tudo que eu já tinha visto.
Está caindo neve, pensei, quase paralisada.
Continuei a observar o cenário desse meu lugar no mundo, temendo, é claro, passar por iludida. Porque o verbo nevar, para nós, inexistia na prática, era um sonho, nada mais.
Cheguei na casa materna impressionada com o que estava acontecendo, ansiosa por compartilhar a novidade, que durou pouco tempo. Por sorte, eu contava com credibilidade na família, e, mesmo sem terem visto, aceitaram o que contei. Mas eu queria muito ter provas materiais do ocorrido, o que consegui no outro dia.
Na edição de 25 de agosto de 1984, ocupando boa parte do jornal Correio do Povo, fotos de Porto Alegre com a neve caindo.
Verdade seja dita, o fenômeno aconteceu na Capital com maior intensidade do que aqui. Mas eu me lembro bem do dia em que nevou em Guaíba.
Cristina André
Publicado em 30/8/24