Conversas em volta da mesa, depois do almoço que se anunciava delicioso desde a porta da frente, eram o ponto alto de cada um daqueles domingos nossos. Família reunida na casa materna para debates cheios de personalidade, cada um falando a seu modo, feito entusiasmados professores, e ouvindo na hora devida como atentos aprendizes.
Discordando com naturalidade, assim fomos descobrindo a grandiosa riqueza cultural e afetiva que é capaz de brotar em um ambiente plural de idades e ideias, singular em afetividade, sonhos e boas lembranças. Tudo envolto em um eterno agora.
Os assuntos, em parte, eram relacionados com acontecimentos que chegavam estampados nas capas daquele respeitado jornal, de folhas enormes e grandiosa credibilidade. Como a corrida espacial, os festivais de música brasileira, o primeiro transplante de coração, os mistérios da guerra fria, o próximo grenal.
Naqueles dias de relógios despreocupados, ouvindo casos antigos ao sabor de boa sobremesa com café recém passado, hoje compreendo bem, a felicidade dava ares de sua graça na casa materna. Ficávamos ouvindo histórias, lembrando de criancices, planejando passeios e novos encontros, até que a Música pedisse licença para ocupar o seu espaço naquela imensa e terna mesa.
A pesada gaita da primogênita, então, saía da caixa para que a exímia tocadora começasse a embalar nossas vidas. Enquanto ela afinava o instrumento, mais um café era passado para acompanhar as geleias e o pão feito em casa que seriam levados à mesa nos intervalos daqueles extraordinários saraus.
Na chegada da noite, ainda estávamos cantando. E as horas seguiam se espreguiçando, faceiras, na beleza das melodias.
Tempos nada modernos eram aqueles, de conversar e cantar durante horas a fio em torno da mesa, olhando nos olhos das pessoas, entendendo que a pressa realmente era inimiga da perfeição. De onde ninguém queria arredar pés nem corações.
Naqueles nossos domingos em que a família toda se reunia na casa materna, compreendi a grandiosa riqueza cultural e afetiva em um ambiente plural de idades e ideias, singular em afetividade, sonhos e boas lembranças. Tudo envolto em um eterno agora.
Daquela extraordinária conexão presencial ficaram marcas inconfundíveis em mim, que hoje acompanho o mundo acontecendo com tanta pressa e tão carente de atenção presencial.
Coração tatuado pelo antigo romantismo, sigo pela vida atenta a esse eterno e precioso momento presente graças à felicidade, vestida de café, conversas e cantorias, que costumava dar ares de sua graça na casa materna aos domingos.
Cristina André
Publicado em 7/2/25