Querido Noel,
minha mãe mandou escrever esta cartinha para o senhor, mas devo confessar que fiz isso contra a minha vontade. Ela sabe que eu não acredito no senhor. E argumentei que o senhor é um canalha, pois nunca trouxe nada do que eu lhe pedi ao longo de todos esses anos. Durante a minha infância fui um menino exemplar. Boas notas na escola e era o mais comportado da classe. Todos gostavam de mim. Menos o senhor…
Desde que aprendi a escrever é a mesma coisa: cartinhas e mais cartinhas pedindo uns presentinhos. Coisas simples, baratas, nada que um Papai Noel de classe média não pudesse me trazer. E o senhor, o que fez? Nadinha!!! Zero!!! Quem foi que disse que o senhor é um ‘bom velhinho?!?!?!’
Aliás, se eu fosse o senhor, preferia mesmo não existir. O que tem de neguinho querendo lhe pegar lá ‘nas quebradas onde eu moro’ não é brincadeira. Sem falar que, na minha opinião, o senhor deveria ser preso. Fica só pegando a criançada para sentar no seu colo. Se a turma do politicamente correto entregasse a sua ficha corrida para o STF, garanto que ia descobrir que o senhor é um pedófilo nojento. E alcoólatra, porque essas bochechas vermelhinhas e essa cara de bobo alegre nunca me enganaram. E as renas, hein? Rudolph é o nome de uma delas, né? Ahã, sei. Mas o senhor não está nem aí com esse pessoal, né? O seu negócio é aparecer na TV fazendo comercial de tudo quanto é coisa que o dinheiro pode comprar; e sentar naquela poltrona enorme na área mais elitizada do shopping.
Mas voltando ao assunto: minha mãe mandou eu escrever esta cartinha para o senhor para uma última tentativa: pedir de presente o relaxamento da minha pena aqui no presídio. Pode ser até uma tornozeleira eletrônica… Mas já sei que não vai adiantar, porque quando eu era bonzinho o senhor não me atendia, imagina agora, quando descobrir o que eu fiz para vir ‘morar aqui’. Velhaco infame.
* * *
Em 1970 eu tinha três anos, quando o Brasil foi tri. Não sabia nem quem eu era no mundo, quanto mais o que era uma Copa do Mundo. Mas em 1974, no Mundial da Alemanha, eu já tinha sete. Foi mais ou menos quando comecei a amar esse esporte maldito chamado futebol. De lá para cá, nunca mais parei. Lá se vão 48 Copas que tive o privilégio de assistir. Todas pela TV, é claro. Confesso: nunca tinha visto uma final como a do último domingo.
Durante a semana, os amigos me perguntavam para quem eu iria torcer? E a minha resposta era que, uma decisão entre Argentina e França, para mim, soava como uma final de campeonato entre Grêmio e Flamengo: um jogo que eu teria que assistir com a força do ódio no desejo que ambos perdessem, se possível fosse.
Mas, a França, além de ser um país europeu que não me encanta, tem um presidente que não me agrada. Mas no time tem um jogador ‘fora da curva’. Um atacante eficiente e eficaz, cuja fala é inversamente proporcional ao que ele joga. Normal para quem está bilionário aos 23 anos. E do outro lado dessa decisão tinha a terra do Papa. Um país sul-americano, vizinho dos gaúchos e que, mesmo sendo bi-campeão mundial não sentia esse gostinho há 36 anos. E nesse time tinha Lionel Messi, um extra-classe dentro e fora das quatro linhas.
Pelos próximos 100 anos teremos que aceitar a zoação, a chalaça e a chacota dos ‘hermanos’ em qualquer lugar do mundo onde eles encontrarem um brasileiro. Ganharam da França mas a vítima é o Brasil. Nossa sorte é que o governo da Argentina jogou seu povo numa crise econômica sem precedentes. E aí está o nosso consolo: a quantidade de argentinos no nosso litoral, de dezembro a março, será bem menor…
Daniel Andriotti
Publicado em 23/12/22