Mãos de Alface

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Antes, falava-se que o goleiro era o mais solitário dos jogadores num campo de futebol. Não é mais. Com as mudanças na regra e a baixa qualidade de alguns times brasileiros, o lugar mais frequentado por todos os jogadores é a pequena área. Dizia-se também que onde joga o goleiro não nasce grama. Mentira. Com a qualidade dos gramados nas arenas aquele buraco que antes era marca registrada na frente das goleiras já não se vê mais. Outra: até pouco tempo só o goleiro jogava com camiseta de mangas compridas e luvas. Agora, basta a temperatura estar abaixo dos 10 graus que todos os jogadores usam luvas e vestem aquelas malhas com mangas longas da cor do uniforme por baixo da camiseta. Em tese é o único que pode tocar com a mão na bola dentro da área. No entanto, Maradona fez um gol com a mão na Copa de 86 contra a Inglaterra…

Há alguns anos, nos campinhos de ‘grama rala’ em que se jogava ‘peladas’ – e onde surgiram verdadeiros craques (diferente dos que se profissionalizam hoje nas escolinhas de piso sintético das grandes cidades) – a gurizada se dividia em dois grupos para a montagem dos times. Primeiro eram escolhidos os jogadores de ‘linha’, começando pelo craque. Depois o nível ia baixando até chegar nos zagueiros. E por último, a vaga de goleiro era daquele de menor qualidade técnica, o mais lento, o míope, o mais gordinho. E foi quase sempre assim, na base do ‘preconceito’, que surgiram os grandes goleiros da história, não só no futebol brasileiro, mas em qualquer terreno baldio ao redor do mundo. Os tempos mudaram, mas o destino de um goleiro não. Ele continua sendo último obstáculo para a consagração do craque.

Moacir Barbosa foi proibido de entrar no Maracanã após o Mundial de 50, no chamado “Maracanazzo”, quando o Brasil perdeu a final para o Uruguai por 2 a 1 e a culpa da derrota recaiu sobre ele, que supostamente teria falhado no segundo gol. Morreu pobre e abandonado em um quartinho de pensão na cidade de Santos. Uma das últimas coisas que fez – depois de inúmeras tentativas – foi adquirir as traves da goleira onde levou o fatídico gol da derrota (na época eram feitas de madeira) e incendiá-las. Outro caso – mas dessa feita como um exemplo de ‘volta por cima’ – foi o de Gilmar dos Santos Neves, que viveu um inferno após o Corinthians levar 7 a 3 da Portuguesa. Escorraçado do Parque São Jorge, foi para a Vila Belmiro onde sagrou-se campeão mundial pelo Santos e bi-campeão do mundo com a Seleção Brasileira em 58 e 62. Foi considerado um dos melhores da posição do século XX.

Fiz todas essas citações ao goleiro porque, no Brasil, todo 26 de abril é o dia dele. Guarda-metas, guardião, arqueiro, goalkeeper, frangueiro, peruzeiro, mão de alface, motorista de Kombi. Personagem que transita entre a glória e a tragédia. A data é uma homenagem ao nascimento do pernambucano Hailton Corrêa de Arruda, o lendário Manguita Fenômeno, que completou 85 anos na última terça-feira. Foi o melhor que vi jogar. Não usava luvas e tinha absolutamente todos os dedos das duas mãos deformados por fraturas não-tratadas. Bicampeão brasileiro pelo Inter, campeão gaúcho pelo Grêmio e passagens por Operário-MS, Vasco, Botafogo e Sport Recife; além de Nacional do Uruguai e Barcelona do Equador. Foi titular da seleção brasileira na fracassada Copa de 1966, na Inglaterra. Hoje, vive no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro.

 

* * *

Para a nossa alegria, terminou mais uma edição do Big Bobo Brasil. O grande campeão desse ano foi… Tadeu Schmidt !!!

 

Daniel Andriotti

Publicado em 29/4/22

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