Quando compôs a música “Como Uma Onda”, Lulu Santos certamente não imaginava o tamanho da profecia que estava fazendo mas que só iria se concretizar 38 anos depois. “Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia…”. Previsão de fazer inveja a Nostradamus. Com a letra, Lulu Santos praticamente instituiu o hino do chamado ‘novo normal’ que estamos vivendo nesses quase dois anos de pandemia. “Tudo passa, tudo sempre passará…” é a frase em que nossa eterna esperança se agarra. “Tudo o que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo. Tudo muda o tempo todo no mundo…”. Para isso, basta cinco minutos de telejornalismo de qualquer emissora. E a frase-chave para o distanciamento social é: “Não adianta fugir, nem mentir pra si mesmo. Agora, há tanta vida lá fora, aqui dentro, sempre: como uma onda no mar…”.
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Descobrimos, em meio as mais de 580 mil mortes causadas pela Covid, que João não é mais de Deus e a Lis não é mais Flor…. que se cheire. Aliás, a pastora, missionária, cantora gospel e agora ex-deputada federal – juntamente com seus 55 filhos, alguns adotivos e outros biológicos de diferentes gerações – era líder de uma facção criminosa familiar que, entre tantas outras coisas, é acusada pelo assassinato do também pastor Anderson do Carmo de Souza que, no dia do crime era marido dela e ‘gestor dos negócios da família’, mas que antes e em algum momento da vida foi filho adotivo e genro da deputada, não necessariamente nessa ordem. Difícil de entender, né?
Vamos por partes: pela morte do pastor Anderson, Flordelis e cinco dos seus 55 filhos, além de outros seis parentes estão presos. Entre eles, um que admitiu ter dado seis dos 30 tiros que a perícia identificou no corpo da vítima. Pela lógica matemática, faltam 24 tiros para fechar essa conta. Mas nos depoimentos da turma que ‘ainda’ está em liberdade – formada por outros 50 filhos, tios, irmãos, cunhadas, sobrinhos e netos – há referências a traições, tentativas de assassinato, brigas, dinheiro, incesto, relações extraconjugais e abusos sexuais.
A polícia também apurou que na noite do crime, o casal Flordelis e Anderson esteve numa casa de swing que frequentavam há algum tempo. Sim, swing, troca de casais… Ficou um pouco mais claro agora, né? Religião, dinheiro, política, sexo e crime. Tudo o que uma novela do horário nobre precisa para que um bom roteiro invada os lares brasileiros. Até morrer, o pastor Anderson foi praticamente um Highlander: a polícia apurou que Flordelis já havia tentado envenenar o filho-genro-marido-empresário em pelo menos seis oportunidades, além de contratar pistoleiros para ‘fazer o serviço’ em outras duas vezes. Tentativas essas que, pelo visto, não foram bem sucedidas.
O mais revoltante nisso é que a Constituição Federal contempla um absurdo chamado “foro privilegiado” que impede congressistas de serem processados criminalmente e julgados pela justiça comum desde que não haja flagrante delito inafiançável. Mas… bandido só protege bandido até ali. Em fevereiro deste ano, o gato subiu no telhado: mesmo que o crime tenha ocorrido em junho de 2019, somente no início desse ano é que o Tribunal de Justiça e o Ministério Público do Rio decidiram afastar a deputada do cargo. Rei morto, rei posto. Mês passado, seus colegas de congresso votaram pela cassação do mandato da deputada por impressionantes 457 votos contra 7, além de 12 abstenções. Com isso, a imunidade parlamentar dela se esvaiu e, 48 horas depois, ela estava presa.
Aliás, a respeito de ‘imunidade parlamentar’, nossa ruidosa parcela da sociedade de diferentes cores e correntes ideológicas que costuma protestar contra tudo e contra todos, jamais se manifesta…
Daniel Andriotti
daniel.andriotti67@gmail.com
Publicado em 03/9/21