A extensa ficha criminal de Lázaro Barbosa forjou contra ele uma alcunha de ‘serial killer do Distrito Federal’, ainda que não seja exatamente esse o termo mais adequado ao seu perfil. Prontuário: invasão de domicilio, porte ilegal de arma, inúmeras fugas do sistema prisional, estupro e assassinato de uma porção de gente. Não se sabe ao certo quanta gente. Seus memes viralizaram nas redes até que na manhã do último dia 28, o comando à frente de uma força-tarefa que reuniu quase 300 homens embrenhados no mato há alguns dias, enviou um recado pelo rádio da polícia: “alvo abatido!!!”.
O (que restou do) corpo de Lázaro foi jogado feito um saco de batatas dentro de uma viatura como uma espécie de ‘resposta à sociedade’: imagem explícita de que ali havia apenas um cadáver. E é perfeitamente compreensível a sensação de alívio da população, assim como a satisfação dos agentes de segurança pela conclusão do caso. No entanto – embora com um desfecho previsível – a história não teve exatamente um final feliz para quem acreditava que Lázaro pudesse ser capturado com vida. A perseguição e a morte desse tipo de criminoso identificam a régua da nossa escala de civilização, desde os que trabalham diretamente com o crime, como policiais, peritos, delegados, promotores e juízes; as autoridades políticas e seus mais diversos interesses; os religiosos e pessoas que tem a causa da família em primeiro lugar e, por fim, os cidadãos comuns, que formam suas opiniões por si só, com base nas informações que lhes chegam. Com ou sem amarras ideológicas.
Assim como Lázaro, há mais de 300 mil foragidos da justiça em todo o país. Mas quando o sistema coloca três centenas de homens treinados para enfrentar um único transgressor e este consegue – ainda que dadas as condições positivas em seu favor, como um melhor conhecimento da região, por exemplo – driblar toda a força-tarefa durante três semanas, é preciso comemorar com algum constrangimento o resultado da operação ou que é necessário rever o quociente de inteligência da polícia.
Convém, antes de tomar partido sobre esse caso, uma leitura do contexto. Lázaro não era santo e todo mundo sabe disso. Pelo contrário. Deveria estar alijado do convívio da sociedade há muito tempo, embora que pela via legal. E esse texto poderia terminar por aqui. No entanto, desde 2007, Lázaro anda armado, mata, rouba, estupra, é preso, foge, é preso de novo e foge outras duas, três, cinco vezes. Julgado e condenado, progrediu ao semiaberto por ‘bom comportamento’ apesar dos laudos que o descreviam como ‘impulsivo’, ‘ansioso’, ‘desequilibrado mental’… Em 2016, aproveitou-se de um indulto e sumiu, sendo preso novamente dois anos depois. Fugiu por um buraco no teto da cela com outros quatro detentos, sendo o único a não ser recapturado até reaparecer na chacina que promoveu numa chácara de Ceilândia (DF), onde matou um empresário, seus dois filhos, sequestrou e estuprou a mulher que foi encontrada morta três dias depois. Antes, teria atirado contra moradores em uma propriedade em Cocalzinho, além de invadir uma casa onde a família foi obrigada a ficar nua enquanto ele roubava seus pertences.
Mas é interessante perceber como e por quê outros criminosos que cometeram violências tão repugnantes não sofrem uma comoção guiada pela mesma tese, da qual eu sou simpatizante: a de que “bandido bom é bandido morto”. Em outros tempos, Lázaro teria a cabeça cortada e exposta em praça pública para admiração da sociedade. Foi assim com Lampião e seu bando na época do cangaço. Não funcionou muito bem sob o ponto de vista ‘do exemplo a ser seguido’: usar a barbárie contra quem fez fama por meio dela. É uma reação que não cabe mais no estágio civilizatório que alcançamos – e é o Estado que precisa deixar isso claro às pessoas, de qualquer perfil e qualquer ideologia.
Daniel Andriotti
Publicado em 09/7/21.