Muito ou quase tudo já foi dito sobre o rebaixamento do Grêmio. No entanto, há três coisas que – pelo menos – não vi a mídia tradicional comentar: a primeira é que uma grande tragédia nunca é resultante de uma única falha; e sim de um conjunto ou de uma sequência de fatos que formam o conjunto da desgraça. A Boate Kiss e as tragédias na aviação são dois grandes exemplos. O Grêmio não caiu para a série B na última quinta-feira. O Grêmio vinha cambaleando desde maio enquanto seus dirigentes tapavam o sol com a peneira.
A segunda: mão que bate nem sempre é a mesma mão que acaricia. Até porque, quem apanha, nunca esquece. Por mais que se diga que dentro das quatro linhas no futebol profissional ‘não existe’ esse tipo de retaliação, na hora em que a água bate, digamos ‘na virilha’, o passado vem à tona. Em 2007, o Corinthians foi rebaixado pelo Grêmio aqui em Porto Alegre, num empate por 1 a 1 no estádio Olímpico, resultado que não servia ao time paulista. A torcida do Grêmio fez festa, com direito à musiquinha e caixõezinhos com o símbolo do clube. A banca paga e recebe. Na última quinta-feira, noite do rebaixamento tricolor, a displicência do ‘timão’ no jogo contra o Juventude foi impressionante. Não poderia ser apenas um ‘despretensioso fim de festa’. Em São Paulo, a ‘Fiel’ comemorou…
A terceira é que a régua do futebol brasileiro está tão baixa, mas tão baixa, que em 38 rodadas do Campeonato Brasileiro o Grêmio agonizou por 37 na zona da degola do chamado Z-4. Mas só foi ser efetivamente rebaixado aos 38 minutos do segundo tempo de um dos três jogos que lhe interessavam. Sangrou até os instantes finais. Estraçalhou o já em frangalhos sistema nervoso do seu torcedor que ainda alimentava um fio de esperança; e também o da imensa ‘massa secadora’ até a cobrança do pênalti que culminou com a vitória do Juventude sobre o Corinthians.
Desse momento em diante, começou a fase ‘lamber as feridas…’
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Dez dias, 32 depoimentos, 10 testemunhas – 14 sobreviventes e quatro informantes – e quatro réus. Oito anos depois da tragédia que matou 242 pessoas e feriu mais de 600, o ‘caso da Boate Kiss’ teve um princípio de desfecho no último final de semana. Independente se foi um acidente; se são ou não culpados, se foi tiveram ou não a intenção, se o crime foi culposo ou doloso, se o Ministério Público, o Corpo de Bombeiros e a prefeitura de Santa Maria foram omissos, os réus foram condenados por um júri popular. Regime fechado, disse o juiz. Certo? Errado. Uma manobra jurídica permitiu que os quatro condenados pudessem sair do Tribunal no sábado à noite e ir jantar com seus amigos e familiares. Depois, irem para casa. Pelo menos por enquanto e até o momento em que escrevo essas mal traçadas linhas. Isso porque um ‘habeas corpus preventivo’, emitido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, chegou durante o exato momento em que o juiz lia a sentença.
Se é na China ou no Irã, eles seriam executados ali mesmo, no tribunal, e um boleto com o custo das balas seria enviado para a família. Fosse nos EUA, dependendo do condado, sairiam algemados do Tribunal diretamente para a prisão perpétua ou para o corredor da cadeira elétrica ou da injeção letal. No entanto, estamos no Brasil. Um país que, definitivamente, não é para amadores…
Daniel Andriotti
Publicado em 17/12/21.