História de Gratidão e Música

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Meus amigos não entendiam como é que eu sabia cantar tantas composições de artistas que já estavam com a idade dos nossos pais. Achavam graça quando me flagravam cantarolando “Ela disse-me assim, tenha pena de mim, vá embora…”, do gaúcho Lupicínio Rodrigues. Ou derrapando no francês em “Que c’est triste Venise, au temps des amours mortes…”, do admirável Charles Aznavour. E tentando acertar o tom no bolero “Reloj no marques las horas…”, escrito por Roberto Cantoral.

Costumava explicar que fui uma criança privilegiada, nascida e criada em família de gente cantante, que realizava saraus caseiros, o que até hoje não me canso de agradecer à própria vida.

Minha irmã mais velha, na gaita; os dois irmãos, percussionistas de utensílios caseiros (caixas de fósforo, colheres em copos de vidro, bateria nas laterais dos pufes); eu, a caçula da turma, tentava acompanhá-los cantando. Mal sabiam eles que minha alegria era observar tudo aquilo, prestar atenção em cada um daqueles artistas caseiros.

Assim, fui aprendendo ritmos variados e versos em outros idiomas. Verdade seja dita, o significado da maioria das estrofes eu não compreendia, nem mesmo aquelas cantadas em nossa língua materna. Mas esse detalhe em nada atrapalhava minhas escolhas, que eram sempre feitas pelas melhores melodias.

E como acontece com toda gente, inclusive com as crianças, eu também tinha minhas preferências musicais naquelas coletâneas antigas. Uma delas era do compositor cubano Osvaldo Farres: “Siempre que te pregunto, que cuándo, cómo y donde, tu siempre me respondes, quizás, quizás, quizás…”.

Mas isso tudo mudou, muitos amigos me dizem. Ninguém mais ouve músicas antigas, há modernidades demais para a criançada ver e ouvir, muita gente deve estar convencida disso. Pois eu garanto que as crianças desses novos tempos tecnológicos, ao ouvirem belas melodias de antes, se rendem a elas como aconteceu comigo, naquela infância antiga. Tenho provas desse fenômeno.

Dias atrás, minha neta de nove anos, que participou de festas de Halloween na escola e na casa dos primos, perguntou se eu já tinha assistido o filme “Cruella”. Eu respondi que não, e ela me convidou para vermos.

Todos descansavam depois do almoço, era feriado, e nós duas nos acomodamos no sofá da sala, que virou cinema caseiro. E quando começou aquela história, achei meio estranha para o meu gosto, mas segui em frente para aprender sobre as novidades cinematográficas.

A trilha sonora era variada e muito boa; devo confessar, muito melhor do que o filme em si. Eis que, de repente, pensei ter ouvido a melodia de “Quizás, quizás, quizás”. Será que era mesmo ou eu tinha cochilado?

Grata foi minha surpresa quando percebi a neta acompanhando a música, fazendo um livro que estava por ali de percussão, dando batidinhas nele no ritmo cubano que eu adorava. Então, comecei a cantar baixinho: “Quizás, quizás, quizás”. E ela me acompanhou, entusiasmada; surpresa pelo fato de eu conhecer todas as músicas da Cruella.

Eu encerrei cantando: “Hasta cuándo, hasta cuándo…”.

 

Cristina André

cristina.andre.gazeta@gmail.com

Publicado em 05/11/21

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